Nonsense é o não-sentido ou a falta de sentido. Um dicionário inglês-português traduz “nonsense” como disparate, tolice, asneira. Há, em inglês, uma expressão “it’s nonsense”, que corresponde a “é absurdo” em português e se contrapõe à expressão “it makes sense”, “faz sentido”.
No presente artigo me refiro não somente ao sentido comum do termo nonsense. Tratarei aqui do conceito do nonsense literário, que se caracteriza como um gênero específico, tendo suas raízes na literatura inglesa do século XIX com os escritores Lewis Carroll, autor das famosas Alices (Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho), e Edward Lear, autor de Limericks.
Há muitos estudiosos que se dedicaram à pesquisa dessa literatura que influenciou grandemente a literatura moderna do século XX. Vários movimentos literários, como, por exemplo, o Dadaísmo e o Surrealismo, têm algumas de suas raízes no nonsense vitoriano. Joyce buscou o ponto de partida para o seu Finnegans Wake no personagem Humpty Dumpty de Através do Espelho. Os intrigantes diálogos de Alice têm chamado a atenção de filósofos como Sartre e Deleuze e outros em suas reflexões sobre a linguagem.
Segundo Tigges há quatro características que formam a essência do nonsense.
A primeira e mais importante citada pelo pesquisador é que no nonsense há uma constante tensão entre presença e ausência de sentido; e para que um texto seja considerado nonsense, deve manter o equilíbrio entre esses dois pólos até o final (p. 51). Tigges cita também Baacke nesse contexto: “o nonsense permanece sempre, enquanto ligado à linguagem, com pistas de sentido” (p. 33). Por isso o nonsense é mais do que um puro jogo de palavras e também difere da literatura realista ou mimética, onde pode haver uma tensão entre diferentes possibilidades de atribuição de sentido ao texto, mas não uma tensão entre sentido e ausência de sentido (p. 87). Já para Ávila a meta máxima do nonsense seria abolir o sentido, o que revela-se praticamente impossível, se se lida com palavras. O vezo da significação, da evocação e elaboração de sentido já está por demais arraigado na linguagem. O que se tenta fazer no nonsense é driblar o sentido, por meio da justaposição de sentidos parciais e opostos, do solapamento e embaralhamento das várias camadas comunicativas. Não se podendo evitar a criação de sentido, tenta-se evitar seu assentamento a todo custo (p. 115-116).
Caso houvesse esse assentamento do sentido, de que fala Ávila, ocorreria a síntese ou o fim da tensão que, para Tigges, é justamente a característica básica do nonsense, e que este mantém empregando artifícios como, por exemplo, o uso de conclusões arbitrárias nos textos (p. 59) ou omitindo um point2 (p. 57).
A segunda característica que Tigges menciona é que “o nonsense nunca é lírico no sentido real da palavra – não expressa os sentimentos pessoais do autor nem sentimentos comuns por sua boca” (p. 53). Na verdade a única emoção do gênero nonsense, e ao mesmo tempo característica marcante sua, é o isolamento, conforme afirma Tigges (p. 54). Os personagens da literatura nonsense são extremamente solitários; é, via de regra, um indivíduo que se encontra frente a todo um grupo. Isso acontece com Alice, tanto no espaço do país das maravilhas quanto no do outro lado do espelho. Ela precisa se defender contra uma multidão de seres estranhos.
Mas essa solidão não é expressa de modo lírico ou romântico; não leva o leitor à comoção. O nonsense prescinde do emocionalismo. A natureza dessa solidão é a incomunicação, ou seja, a solidão se dá pela incapacidade
(...)
O nonsense e o absurdo
Para falar sobre Kafka no contexto do nonsense literário há que se fazer, primeiramente, uma delimitação clara entre os conceitos de nonsense e de absurdo, termos estes freqüentemente considerados sinônimos, não somente em seu uso cotidiano, popular, mas também por estudiosos da literatura, conforme demonstra Tigges. Ele cita, por exemplo, Haight, para quem “o absurdo é a palavra-chave dos escritores nonsense. Seu cânone inclui Carroll, Lear, Borges, Beckett, Joyce, Ionesco, Rabelais e Aristófanes” (p. 126). Comenta ainda que Byron, Carroll e Lear e a literatura nonsense em geral seriam precursores dos escritores do absurdo, dentre os quais Flaubert, Jarry, Kafka, Ionesco, Beckett, Pinter seriam os principais expoentes (p. 126).
Tigges faz uma distinção sucinta entre os dois conceitos: “No nonsense a linguagem cria a realidade, no absurdo a linguagem representa uma realidade sem sentido” (p. 128). Essa diferenciação fica mais clara quando ele cita Ede, para quem:
os dramaturgos do absurdo se voltaram predominantemente para sentidos
extralingüísticos, ‘usando a linguagem minimamente e então unicamente para
revelar suas imperfeições’, enquanto no nonsense ‘palavras freqüentemente
exercem um poder criativo similar àquele concedido à linguagem em algumas
culturas primitivas’ (p. 129).
Tigges também comenta que “o absurdo é (...) a forma artística que exprime falta de sentido, que é contrário ao propósito do nonsense de evitar completa ausência de sentido”, (p. 130) conforme já mencionei acima. Tigges cita ainda Hinchliffe, para quem o drama absurdo “desafia a audiência a fazer sentido do non-sense”. E quando a própria linguagem é absurda, teria o objetivo de mostrar o desgaste desta como parte do universo humano igualmente deteriorado (p. 130). Tigges checa, em um quadro comparativo dos diversos gêneros próximos ao nonsense, o absurdo com relação às quatro características do nonsense arroladas por ele: a tensão entre sentido e a sua ausência ocorreria às vezes no absurdo; a falta de emoção não seria característica do absurdo; o caráter de jogo também não; a linguagem criando a realidade poderia ocorrer às vezes (p. 137).
Resumindo poderíamos dizer que o absurdo tem um referente ancorado na realidade, ou seja, ele procura expressar a falta de sentido em que se encontra o mundo, ou, nas palavras de Tigges, ele “representa um universo sem sentido” (p. 137), de modo que os textos absurdos desafiam o leitor à reflexão sobre a vida, o mundo, enfim, a atribuir sentido ao texto a partir de referentes externos a ele. Já o nonsense brinca com o sentido/ não-sentido no âmbito da própria linguagem, chamando a atenção unicamente sobre ela, sem recurso a um referente externo. Nesse sentido pode-se dizer que os textos nonsense são fechados em si. Mas não discordo também de Byrom e de Haight mencionados acima, para quem os escritores do absurdo se encontram na tradição da literatura nonsense, pois além da diferenciação estabelecida por Tigges entre os dois gêneros, há pontos em comum entre eles, o que justamente procurarei demonstrar na obra de Kafka, comumente vista como pertencente ao absurdo. Até mesmo para os que não conhecem a fundo a obra de Kafka, o já ratificado adjetivo kafkiano relaciona-se a algo incompreensível, absurdo enfim. Em sua ampla recepção tem sido destacado o aspecto do absurdo na obra de Kafka. Como exemplo gostaria de mencionar aqui o livro de título Cronistas do Absurdo, de Leo Gilson Ribeiro, que contém um ensaio sobre Kafka, dentre outros.
(...)
[Fragmentos do ensaio "A narrativa de Kafka nas bordas do nonsense", de Rosvitha Friesen Blume, brilhante análise sobre o nonsense e o absurdo.]
LINK com artigo integral.
muito bom o artigo> "NONSENSE e ABSURDO, conceituação literária". Ainda não tive tempo de ler todo, correria de faculdade sabe. depois retorno a página para conferir melhor. depois dá uma olhadinha no meu blog quando tiver tempo: http://themarcossaraiva.blogspot.com/
ResponderExcluirabração!