domingo, 1 de maio de 2011

Autores reagem a comentários de críticos em debate no IMS

Um debate entre os críticos Alcir Pécora e Beatriz Resende publicado no último dia 4 pelo blog do Instituto Moreira Salles irritou escritores brasileiros e desencadeou em blogs e redes sociais uma discussão à qual a própria Beatriz reagiu esta semana anunciando no Facebook que não vai mais escrever sobre literatura contemporânea, da qual se tornou na última década uma das mais conhecidas pesquisadoras no país: “Me enchi desses autores contemporâneos. Vou voltar para o velho Lima, Machado, Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna, falo de Sarah Kane e outros mortos que já sossegaram o ego.”

É também recorrendo ao campo semântico da encheção e seus variantes mais ou menos polidos que escritores reagem às acusações de compadrio feitas durante o debate do IMS e resumidas de modo mais expressivo por Pécora na frase “O espaço da literatura virou o lugar das tias”, referência a um clima de congratulamento mútuo que predominaria no meio literário nacional.
— Tias tomam chá e bufam como eles bufavam lá — diz Marcelino Freire, ganhador do Prêmio Jabuti em 2006 pelo livro “Contos negreiros” (Record). — Nós vamos à luta, promovendo encontros, discussões, antologias, revelando gente nova e boa. Ave nossa! Que preguiça! Turma de amigos há em tudo que é lugar. Mas não venham para cima da gente, insinuando armações, máfias. Caralho! Enfim. Digo: estou sem saco.

Em contraste com a cordialidade das “tias” mencionadas por Pécora, Beatriz falou em “gangues” de escritores que se formam para “pegar” outros autores: “um autor que entrou nessa [de] vítima da gangue e não está respondendo bem é o Santiago Nazarian. Ele começou magnificamente, mas de repente algumas gangues dizem ‘ele não é da nossa turma, xô com o Santiago’, aí como reagir a isso? ‘Então já que não sou mesmo disso vou fazer literatura infantojuvenil’”, disse, numa alusão aos últimos livros de Nazarian, cheios de zumbis e bichos falantes. 

Em seu blog, Nazarian respondeu: “Eu vejo exatamente o oposto; nos primeiros livros eu me preocupava mais em ser aceito, em escrever um livro sério, ser considerado um escritor; com o tempo, percebi que não valia mesmo a pena e procurei fazer apenas o que eu gosto, me divertir, chutar o balde e ir atrás do meu universo realmente — e o que eu sempre gostei foi de garotos andróginos e jacarés assassinos, ora”. 

Para o escritor Sérgio Rodrigues, a crítica ao compadrio tem “sabor de anteontem”, como ele escreveu em seu blog Todoprosa  — especialmente se entendida como uma censura aos escritores de São Paulo que deram a si mesmos o título de “Geração 90” (caso do próprio Marcelino, Nelson de Oliveira, André Sant’Anna, Marçal Aquino etc), num esforço assumido de chamar atenção para a própria produção num momento em que a discussão literária do país parecia modorrenta.

— Eles foram em frente, alguns amadureceram bem, outros não, e soa como uma fuga do assunto desqualificá-los com base no marketing, aliás bastante esperto, que eles usaram para se lançar — afirma Rodrigues.

Joca Terron, autor de “Do fundo do poço se vê a lua” (Companhia das Letras), prefere inverter o sentido dos comentários de Pécora e Beatriz:

— E o papel de tais representantes da crítica como curadores ou jurados dos grandes prêmios literários brasileiros, não faz parte desse desejo de participação contraditório com o papel de quem se arroga tanta isenção?

A impressão de uma crise geral do campo literário, que Pécora expôs no início do debate e procura desenvolver no artigo publicado nesta edição do Prosa & Verso, também foi questionada em comentários como o do escritor Vinicius Castro, que contestou a escolha de Paul Auster e Bernard Schlink como exemplos da banalidade da literatura que hoje seria mais incensada: “se quiser bater no peito e dizer que não há nada interessante na literatura atual, que fale daqueles autores realmente respeitados. [Roberto] Bolaño, DFW [David Foster Wallace], [W.G.] Sebald, [Javier] Marías, [J.M.] Coetzee, [Haruki] Murakami, [Mathias] Enard.”

Professor da UFBA e mediador da comunidade “Prosa contemporânea 2.0” no Orkut, Antonio Marcos Pereira acha que o debate e as reações a ele revelam dificuldades atuais da crítica, mas também dos autores:
— Se a crítica, mesmo consideradas suas nuances, não encontra nada para acolher, é a sua falência que está sendo também atestada, ou a redução de sua função ao meramente reativo ou reacionário, à conservação pura e simples — diz. — O negócio é saber o que se busca tanto com esse desejo de chancela crítica, pois não é diálogo com a crítica o que se busca. O que vejo todo dia são autores putos com resenhas negativas, e morreu o papo. Há um desejo de autonomia criativa total (o que todos têm, num certo sentido), e garantia de aplauso absoluto, sob a forma do reconhecimento da crítica (o prestígio, o capital simbólico e, eventualmente, as premiações partindo daí) e do público (com as vendas, a fama e a fortuna).
Autor de “O único final feliz para uma história de amor é um acidente” (Companhia das Letras), João Paulo Cuenca propõe também um olhar duplo sobre o caso:

— Respeito a opinião do Pécora sobre a inexistência da literatura contemporânea, e acho que isso me dá direito a acreditar que ele não existe. Eu sei que eu existo. Então a gente pode discutir isso: se eu existo, se ele existe, mas sem que isso signifique que a gente se odeia. É uma discussão de ideias. Tem uma coisa no panorama literário e intelectual brasileiro que é a incapacidade de aceitar o contraditório, a opinião do outro. Tudo vira uma rinha de galos passional.




Um comentário:

  1. Escritores e suas brigas de egos... e eu que achava que eles tinham um pensamento mais filosófico...

    Pracabá !!!

    Alexandre
    http://soupretomassoulimpinho.blogspot.com/

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