Busca do narrador por equilíbrio é trunfo de livro de Victor Heringer
CAMILA VON HOLDEFER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No Rio de Janeiro da década de 1970, dois adolescentes se apaixonam. Camilo, narrador de "O Amor dos Homens Avulsos", encontra Cosme, um personagem cativante. O idílio, porém, é precocemente interrompido por uma tragédia. Ao mesmo tempo em que descobre o afeto, Camilo descobre a brutalidade e a injustiça.
Anos depois, em 2014, Camilo rememora o breve intervalo em que amou e foi amado por Cosme –e dá pistas de como os eventos da época, bons e maus, alteraram sua personalidade e seu futuro. Impactado pelo acontecimento trágico que o separa irremediavelmente de Cosme, Camilo passa a catalogar o mundo de um jeito peculiar, identificando padrões e analisando o entorno com algum distanciamento.
Para Camilo, tudo é idêntico, banal e inalterável –apenas Cosme era um ponto
fora da curva. É, por um lado, um inventário desapaixonado, que se limita a
quantificar e qualificar sem tomar partido.
Intercaladas com o texto, imagens ajudam a dar a ideia de um inventário
diferente, este afetivo, ligado às lembranças de Cosme.
Nascido em 1988, Victor Heringer apresenta uma escrita surpreendentemente
madura. O apurado trabalho de linguagem, que evidencia uma noção de ritmo
e sonoridade que parece intuitiva, revela uma voz que não fica a dever para os
autores mais experientes.
O ponto forte do livro, aquele que sustenta a construção do protagonista, é a
maneira pela qual o desencanto mede forças com o deslumbramento.
Essa busca constante pelo equilíbrio do narrador torna o livro bem-sucedido.
Camilo só não soa completamente desiludido porque pode evocar os bons
momentos e as boas sensações do passado. Com a lembrança do sentimento
por Cosme intacta –ainda que o rosto amado tenha se apagado da memória–,
resta em Camilo um resquício de esperança.
Embora não seja tão simples, boa parte do dilema de Camilo reside na escolha
do que resgatar do passado.
De um lado, há o sentimento de ódio e vingança; de outro, a doçura que
Cosme transmitiu. É extremamente difícil calibrar essa oscilação sem tornar
uma narrativa pueril ou banal.
Com um excelente domínio da linguagem, que é ora
violenta, ora quase poética, Heringer consegue se sair
bem. O que ele alcança, mais do que a oscilação, é o
meio-termo.
"Nasci póstumo", diz Camilo em dado momento. Em
uma fase de descoberta e expectativa, Camilo foi
marcado pela sensação de impotência. Só se é póstumo
quando não se tem mais a esperança –o ímpeto que é
sobretudo juvenil–de transformar ou conquistar o que
quer que seja. A esperança foi negada ao adolescente
Camilo, mas não, talvez, ao Camilo de meia-idade.
Aos cinquenta anos, surge a possibilidade de outro tipo
de afeto, capaz de restaurar aquele Camilo que um dia amou e seguirá amando
Cosme.
O AMOR DOS HOMENS AVULSOS
AUTOR Victor Heringer
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,90 (160 págs.)
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