sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Busca do narrador por equilíbrio é trunfo de livro de Victor Heringer (Resenha crítica)




Busca do narrador por equilíbrio é trunfo de livro de Victor Heringer

CAMILA VON HOLDEFER 
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No Rio de Janeiro da década de 1970, dois adolescentes se apaixonam. Camilo, narrador de "O Amor dos Homens Avulsos", encontra Cosme, um personagem cativante. O idílio, porém, é precocemente interrompido por uma tragédia. Ao mesmo tempo em que descobre o afeto, Camilo descobre a brutalidade e a injustiça.

Anos depois, em 2014, Camilo rememora o breve intervalo em que amou e foi amado por Cosme –e dá pistas de como os eventos da época, bons e maus, alteraram sua personalidade e seu futuro. Impactado pelo acontecimento trágico que o separa irremediavelmente de Cosme, Camilo passa a catalogar o mundo de um jeito peculiar, identificando padrões e analisando o entorno com algum distanciamento.

Para Camilo, tudo é idêntico, banal e inalterável –apenas Cosme era um ponto fora da curva. É, por um lado, um inventário desapaixonado, que se limita a quantificar e qualificar sem tomar partido. Intercaladas com o texto, imagens ajudam a dar a ideia de um inventário diferente, este afetivo, ligado às lembranças de Cosme. Nascido em 1988, Victor Heringer apresenta uma escrita surpreendentemente madura. O apurado trabalho de linguagem, que evidencia uma noção de ritmo e sonoridade que parece intuitiva, revela uma voz que não fica a dever para os autores mais experientes. O ponto forte do livro, aquele que sustenta a construção do protagonista, é a maneira pela qual o desencanto mede forças com o deslumbramento. Essa busca constante pelo equilíbrio do narrador torna o livro bem-sucedido. Camilo só não soa completamente desiludido porque pode evocar os bons momentos e as boas sensações do passado. Com a lembrança do sentimento por Cosme intacta –ainda que o rosto amado tenha se apagado da memória–, resta em Camilo um resquício de esperança. Embora não seja tão simples, boa parte do dilema de Camilo reside na escolha do que resgatar do passado. De um lado, há o sentimento de ódio e vingança; de outro, a doçura que Cosme transmitiu. É extremamente difícil calibrar essa oscilação sem tornar uma narrativa pueril ou banal.

Com um excelente domínio da linguagem, que é ora violenta, ora quase poética, Heringer consegue se sair bem. O que ele alcança, mais do que a oscilação, é o meio-termo. "Nasci póstumo", diz Camilo em dado momento. Em uma fase de descoberta e expectativa, Camilo foi marcado pela sensação de impotência. Só se é póstumo quando não se tem mais a esperança –o ímpeto que é sobretudo juvenil–de transformar ou conquistar o que quer que seja. A esperança foi negada ao adolescente Camilo, mas não, talvez, ao Camilo de meia-idade. Aos cinquenta anos, surge a possibilidade de outro tipo de afeto, capaz de restaurar aquele Camilo que um dia amou e seguirá amando Cosme. 


O AMOR DOS HOMENS AVULSOS AUTOR Victor Heringer EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 39,90 (160 págs.)  

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