19.
Victor Heringer faleceu dia 7 de março agora. A nota de jornal não dizia a causa, o que explica a causa. Nós nunca nos falamos, mais do que um comentário ou outro em uma rede social. Sua falta não teve nenhum impacto concreto em minha vida. E teve um impacto concreto muito grande na minha vida.
18.
Como aquelas pessoas que acham que conhecem os autores de forma íntima porque leram seus livros, eu achava que conhecia Victor Heringer de forma íntima. Conhecia Glória e O amor dos homens avulsos. E o Lígia, do projeto Formas Breves. Conhecia as crônicas. Não sei o que conta onde.
17.
Quase conheci Victor em pessoa uma vez. Eu estava no Rio de Janeiro, ou em São Paulo. E ele também. A gente tinha marcado uma cerveja com mais alguém? Esse mais alguém desmarcou, e aí Victor comentou de um jazz. Não lembro se era jazz. É tão vago. Alguma música. Neguei, porque não sou uma pessoa de jazz. Eu não entendo de jazz. E tenho ansiedade social, grandes aglomerações, ataques de pânico. Acabamos não nos vendo.
16.
Ele tinha 29 anos, menos de trinta, dois a mais que eu. Por algum motivo, me peguei pensando “mas tão novo…”. Aquelas frases de vó: “mas era um guri tão bom…”. E era. Era um guri tão bom.
15.
Comentei com minha agente, Marianna Teixeira Soares, sobre ele, porque sabia que ela era muito apegada. Ela disse que eu me apaixonaria. Acho que figurativamente. Mas eu nutria um crush fangirl literário por ele, sim.
14.
Tem aquela frase de Camus.
13.
Deve existir uma realidade paralela em que eu entendo de jazz e fui ao jazz e aí nós nos encontramos e falamos sobre ser escritores jovens e aí casamos e tivemos três filhinhos lindos e literários, todos, e viramos um desses casais literários conhecidos tipo José e Pilar.
12.
Deve existir uma realidade paralela em que eu entendo de jazz e fui ao jazz e aí nós nos encontramos e falamos sobre ser escritores jovens e aí brigamos e aí viramos uns desses inimigos literários conhecidos, tipo Virginia Woolf e James Joyce. Nessa realidade, eu teria um gosto literário diferente.
11.
Alguém tinha feito uma postagem sobre o livro Primeiro mataram meu pai. Victor tinha sido o tradutor. Victor postou nos comentários que era um dos livros mais pesados que já tinha traduzido. Isso na semana antes do acontecido.
10.
Não lido bem com morte. Não lido bem com decidir cessar de existir.
9.
Uma vez, numa postagem de Instagram, ele postou uma foto que, em um canto, aparecia a caixa da medicação que tomava. Era uma medicação que eu tomava na época. Pensei em fazer um comentário engraçado, mas fiquei com ansiedade social de que outras pessoas pudessem ver.
8.
Victor é o nome do meu irmão.
7.
Meu sonho era uma mesa meio-irônica meio estilo aquele post escritores amarelos com ele, a Vanessa Barbara e eu. Algum título de piada meio tosco, tipo “Diferentões: autores dopados com drogas não-recreativas”. Sei lá. Mais escritores deviam falar dessas coisas, eu acho.
6.
Hoje o Instagram e o Twitter dele estão com tudo deletado.
5.
Victor é um escritor sagaz. Penso na palavra “sagaz” quando penso na escrita dele. Inteligente, ágil, preciso. Parece atrair com imãs palavras que fico horas buscando no Thesaurus. Pra mim, é aquela literatura meio viagem turística, dessas que você não se importa com aonde vai chegar, você está ali pela viagem. Só me conta uma história, e cada frase é uma história em si.
4.
Não sei sobre o Facebook porque não tive coragem de acessar.
3.
Porque esse texto é mais sobre mim do que ele. Sei que estou objetificando Victor de certa maneira, idealizando, pois nunca o conheci em pessoa. Como comentei, nunca fui ao jazz. Essas pessoas o conheceram. Mas eu conheci um escritor. Escritor que fará muita falta.
2.
Que possa descansar, enfim. Honro a memória dele buscando mais de suas poesias, que não conhecia. E saúdo o autor, que eu conhecia. Este me recuso a perder.
1.
Fui entrar no site oficial dele, que ainda está no ar, para conferir a idade. A imagem de topo, uma foto dele, se mexe, é um gif. Só que enquanto a foto estava em baixa resolução, ela não se moveu. Até terminar de carregar. Aí, enquanto eu procuro a data de nascimento, Victor Heringer pisca enquanto parece engolir em seco.
* * * * *
Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira (finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, foi publicado pela Alfaguara em 2014. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.
sexta-feira, 3 de agosto de 2018
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Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea
Estudando os contistas pós-utopicos ou as novas formas
da Literatura Brasileira.
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