
domingo, 31 de maio de 2009
A última tentação do monge (Uma fábula Nô)

Conto até dez
segunda-feira, 25 de maio de 2009
domingo, 24 de maio de 2009
A VERDADEIRA TRAGÉDIA

MARCELINO FREIRE


Para ler alguns contos de BaléRalé, clicar aqui.
Para ler alguns contos de Angu de sangue, clicar aqui
FALO DE MULHER

Ivana Arruda Leite
Para ler, alguns textos deste livro estão diponíveis no book.google:
Clique no título desta postagem ou aqui.
A arquitextura do estranho na obra de Rubem Fonseca: contos
PASSEIO NOTURNO
DOIS VELHINHOS
APELO
sábado, 23 de maio de 2009
VICIOSO KADEK
Pensava farto, pastoso, às vezes em trechos alongados: se às Tuas costas, meu Deus, eu pudesse me fazer, apagar a Tua imagem e de cima de um todo-mim entender minha completa potencialidade desde o meu existir. Menos farto: igual a todos eu queria ser se pudesse, atuar como todos. Pensava bonito: pedra sob lua baça. O meu amor no teu que passa. Colinas, pássaros, teu momento, meu passo. Gasoso Kadek, olhando através da testa dos outros, por isso todos se riam cada vez que olhava pensante, cada vez que bebia como todos o branco-alegria nacional, pinguço se fazia como todos, e delicado um entender de dentro de boca mole mas muito prudente soletrava: assim tu morre, Kadek, pinguço e pobre como todos, igualzinho sim.
Antes matemático, psicólogo, espiou a curva de Moebius muitos anos, viveu prensado nela, horas pensando, também eu não tenho lado de dentro e de fora, e depois: tenho?
Quis arredondar-se, grão, e não escurecer com a palavra seu estar aqui, gargalhada de todos quando passava, foi ouvindo e alguma vez tentou anotações futuras sobre a metafísica da risada: riem-se porque Kadek estando aqui, passando, pensa também, e alguma coisa à sua volta se enche de brilhos, de luminescências, estilhaços, e passo fosforescente entre as gentes do bar. Se me perguntam Kadek, tu passa e não diz nada? Respondo tentando não pensar: eu te devoro o mundo se me deres um revolver mudo. Risadas. Ou isto: só subi a montanha porque desejava tua impossível cama. Risadas. Ou isto: somos ateus com Deus. Muitas risadas. Pensava summum malum é esse meu viver pensante, essa pedantocracia, esse estético vazio, ético tentou atos políticos, ético Kadek redimensionando “a coisa”, chupava de Sartre “a coisa”, mas dizia: digo coisa para não dizer lixo, ditadura, então minha gente, “a coisa” corrói, empedra, suja, embrutece, suprime, lixa tua criatividade, adormece, ensombra, letargiante corrosiva coisa, te arranca a alma, senhores senhoras “a coisa”...
Pegou dez anos e seis meses, muita enrabação, muita pancada, toma aí pestilento, a coisa é isso aqui, e a rodela de Kadek estremecia eletrizada, os bagos finos pendiam agora inchados, matemático é? repete aí dois mais dois é vinte e quatro. Repetia. Vício foi se fazendo de só ser comido pelos rombudos de farda, os botões duros cutucando-lhe as nádegas, mas nem por isso largou o outro vício de pensar beleza, de relembrar: é melhor estar sentado do que de pé, deitado do que sentado, morto do que deitado.
Todo Zen, Kadek desejou que a morte viesse, esfarrapada, bêbada, patível o mais possível, ao lado, um louco, lhe dissesse: chi, Kadek, tu não morre, ta difícil. Foi deitando amortado, o olho tentando o além outro lado, pediu a Jesus que não lhe surgissem palavras, que morresse muito ético, nada estético, olhou o de cima cinzento sem nuvens, nem gaviões, nem pardais, pensou perfeito para a morte de mim, a cabeça virou quase encostada ao ombro, viu bosta de gente a um metro do seu corpo, repetiu: obrigado Jesus, mais que perfeito para a morte de mim, deitado pobre anônimo agora no esturricado capim, muito igualzinho a muitos, ia dizer infindáveis obrigado quando o olhar subiu para o cinzento sem nuvens outra vez, e viu o pássaro. Trincou a língua para não dizer beleza, adelgaçou a vida, mas encolhido poetou entre babas: alado e ocre pássaro da morte. Totalmente diferenciado, então morreu.
Hilda Hilst
Ficções, Ed. Quiron, São paulo, 1977. ( pp. 21-22).
GESTALT
TEOLOGIA NATURAL
A cara do futuro ele não via. A vida, arremedo de nada. Então ficou pensando em ocos de cara, cegueira, mão corroida e pés, tudo seria comido pelo sal, brancura esticada da maldita, salgadura danada, infernosa salina, pensou óculos luvas galochas, ficou pensando vender o que, Tiô inteiro afundado numa cintilância, carne de sol era ele, seco salgado espichado, e a cara-carne do futuro onde é que estava? Sonhava-se adoçado, corpo de melaço, melhorança se conseguisse comprar os apetrechos, vende uma coisa, Tiô. Que coisa? Na cidade tem gente que compra até bosta embrulhada, se levasse concha, ostra, ah mas o pé não agüentava o dia inteiro na salina e ainda de noite à beira d'água salgada, no crespo da pedra, nas facas onde moravam as ostras. Entrou em casa. Secura, vaziez, num canto ela espiava e roia uns duros no molhado da boca, não era uma rata não, era tudo o que Tiô possuía, espiando agora os singulares atos do filho, Tiô encharcando uns trapos, enchendo as mãos de cinza, se eu te esfrego direito tu branqueia um pouco e fica linda, te vendo lá, e um dia te compro de novo, macieza na língua foi falando espaçado, sem ganchos, te vendo, agora as costas, vira, agora limpa tu mesma a barriga, eu me viro e tu esfrega os teus meios, enquanto limpas teu fundo pego um punhado de amoras, agora chega, espalhamos com cuidado essa massa vermelha na tua cara, na bochecha, no beiço, te estica mais pra esconder a corcova, óculos luvas galochas é tudo o que eu preciso, se compram tudo devem comprar a ti lá na cidade, depois te busco, e espanadas, cuidados, sopros no franzido da cara, nos cabelos, volteando a velha, examinando-a como faria exímio conhecedor de mães, sonhado comprador, Tiô amarrou às costas numas cordas velhas, tudo o que possuía, muda, pequena, delicada, um tico de mãe, e sorria muito enquanto caminhava.
Hilda Hilst
Ficções, ("Pequenos Discursos. E um Grande") São Paulo, Quíron, 1977.