quarta-feira, 11 de novembro de 2009
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Contos de Amor Rasgados
Literatura Brasileira Hoje - Manuel da Costa Pinto
Sérgio Santanna, sobre Amor
sábado, 17 de outubro de 2009
De água nem tão doce
Cantava melopéias, a princípio. Que aos poucos, por influência do rádio que ele ouvia na sala, foi trocando por músicas de Roberto Carlos. Baixinho, porém, para não incomodar os vizinhos.
Assim se ocupava. E com os cabelos, agora pálido ouro, que trançava e destrançava sem fim. “Sempre achei que sereia era loura”, dissera ele um dia trazendo tinta e água oxigenada. E ela, sem sequer despedir-se dos negros cachos no reflexo da água da banheira, começara a passar o pincel.
Só uma vez, nos anos todos em que viveram juntos, ele a levou até a praia. De carro, as escamas da cauda escondidas debaixo de uma manta, no pescoço a coleira que havia comprado para prevenir um recrudescer do instinto. Baixou um pouco o vidro, que entrasse ar de maresia. Mas ela nem tentou fugir. Ligou o rádio, e ficou olhando as ondas, enquanto flocos de espuma caíam dos seus olhos.
NUNCA É TARDE, SEMPRE É TARDE
Conseguiu aprontar-se mas não teve tempo de guardar o material de maquiagem espalhado sobre a penteadeira. Olhou-se no espelho. Nem bonita, nem feia. Secretária. Sou uma secretária, pensou, procurando conscientizar-se. Não devo ser, no trabalho, nem bonita, nem feia. Devo me pintar, vestir-me bem, mas sem exagero. Beleza mesmo é pra fim-de-semana. Nem bonita, nem feia, disse consigo mesma. Concluiu que não havia tempo nem para o café. Cruzou a sala e o hall em disparada, na direção da porta de saída, ao mesmo tempo em que gritava para a mãe envolvida pelos vapores da cozinha, eu como alguma coisa lá mesmo. Sempre tal alguém com alguma bolachinha disponível. Café nunca falta. A mãe reclamou mais uma vez. Você acaba doente, Su. Assim não pode. Assim, não. Su, enlouquecida pela pressa, nada ouviu. Poucas vezes ouvia o que a mãe lhe dizia. Louca de pressa, ia sair, avançou a mão para a maçaneta da porta e assustou-se. A campainha tocou naquele exato momento. Quem haveria de ser àquela hora? A campainha era insistente. Algum dedo nervosos apertava-a sem tréguas. A campainha. Su acordou finalmente com o tilintar vibrante do despertar Westclox e se deu conta de que sequer havia se levantado. Raios. Tudo por fazer. Mesmo que acordasse em tempo, tinha sempre que correr, correr. Tinha tudo cronometrado, desde o levantar-se até o retoque do batom e o perfumezinho final. Exploit da Atkinsons. Perfume quente. Mais ou menos quente. Esqueceu onde havia deixado o relógio de pulso . Perambulou nervosamente pela casa procurando-o. Atrasou alguns preciosos minutos. A mãe achou-o sobre a mesinha do telefone. Su colocou-o no pulso. Viu as horas. Havia conseguido aprontar-se, mas não teve tempo de guardar o material de maquiagem espalhado sobre a penteadeira. Olhou-se no espelho. Nem bonita, nem feia, pensou duas vezes. Vou ficar bonita mesmo só no sábado. Não havia tempo nem para o café. Cruzou em disparada a sala e o hall, em direção à porta de saída, ao mesmo tempo em que gritava para a mãe, bolachinha disponível. Avançou a mão para a fechadura e assustou-se com o toque insistente da campainha. Algum dedo nervoso. O Westclox. Su acordou e deu-se conta mais uma vez da trágica e permanente verdade de que ainda não estava pronta(!) Levantou-se de um ímpeto. Correu ao banheiro, voltou do banheiro, vestiu-se com a roupa estrategicamente deixada sobre a cadeira na noite anterior. Ao sentar-se mais uma vez frente ao espelho, notou que, embora não tivesse ainda se pintado, o material de maquiagem já estava espalhado sobre a penteadeira. O batom aberto e usado, o Exploit desastradamente destampado, evaporando. O despertador tocou novamente. Ou tocou finalmente. E estava com toda corda, pois demorou a silenciar. Mesmo assim, Su andou pela casa toda, tentando desesperadamente acordar-se. Ocorreu afinal a idéia de pedir ajuda à mãe. Esta, envolvida pelos vapores da cozinha, mostrou-se compreensiva. Está bem, Su. Espere só um instantinho que eu vou lá no quarto te acordar.
Silvio Fiorani
Victor Giudice
MICROCONTOS
Bodas de Ouro
As Três Marias
[Alto da Página]
Relatividade em nome de Borges
O Banquete
O arquivo
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.
Respirou descompassado.
— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.
O coração parava.
— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:
— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:
— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.
O chefe não compreendeu:
— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
João transformou-se num arquivo de metal.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Miguel e os demônios
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Estive em Lisboa e lembrei de você
Estive em Lisboa e lembrei de você, de Luiz Ruffato, é o terceiro livro da série Amores Expressos, idealizada por Rodrigo Teixeira em parceria com a editora Companhia das Letras, cuja proposta é contar uma história de amor que tenha como pano de fundo uma das 17 cidades escolhidas pelos coordenadores do projeto. Nesta obra Ruffato opta por uma narrativa em primeira pessoa, como se fosse um diário escrito pelo personagem mineiro Sérgio, que decide deixar casamento e emprego mal-sucedidos para tentar ganhar a vida em Portugal.
Os longos parágrafos e orações revelam, na primeira parte do livro, os planos de sair do Brasil e voltar com dinheiro suficiente para comprar imóveis na pequena cidade de Cataguases (também cidade natal de Ruffato) e viver de renda, matando de inveja a todos os que um dia o maldisseram. Em alguns momentos, o excesso de descrição dos elementos da cidade, como nome de ruas, escolas e moradores torna a leitura enfadonha, principalmente para quem não a conhece. Entretanto, o autor consegue manter um ritmo equilibrado quando mistura relatos passados com o momento presente e prioriza os detalhes da viagem como o processo para tirar passaporte, quanto dinheiro levar, onde se hospedar e conseguir emprego, o que torna o texto mais fidedigno pois são preocupações reais de quem pensa em sair do país.
Ao chegar em Lisboa, Sérgio percebe que nada será tão fácil como imaginou e quem lê o livro pode quase sentir o arrependimento e o sentimento de frustração daquele imigrante na Europa, debaixo das cobertas num quarto de hotel, como narra o autor. Interessante notar que, no decorrer do livro, ocorre uma transformação de linguagem à medida que Sérgio, quando ainda está no Brasil, usa expressões tipicamente mineiras e no período que está em Lisboa sua fala muda aos poucos e passa a utilizar palavras portuguesas como puto (menino), autocarro (ônibus), entre outras, mesmo se tratando de um relato pessoal em que dialoga consigo mesmo.
Ruffato demonstra não estar tão preso à proposta do projeto, pois não aborda de forma clara nenhum relacionamento amoroso ou mesmo faz menções ao amor. Quem está acompanhado a série Amores Expressos, provavelmente ficará na dúvida se o amor é pela esposa louca e pelo filho pequeno que deixa no Brasil, pela cidade de Cataguases, pela prostituta com quem se envolve e a ajuda a ponto de perder seu passaporte ou por si mesmo, enquanto busca melhorar de vida, mesmo que para isso tenha que mudar de país.
Lucas Guedes
http://condussao.blogspot.com/
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Sobre Luiz Ruffato
Definição do escritor Luiz Ruffato a partir da leitura do ensaio Diligências num caleidoscópio, de Samanta Simões Braga.
"A linguagem parece ser o meio e o fim da narrativa de Luiz Ruffato, já que o realismo exacerbado de seu texto destaca-se mais pela forma do que pelo conteúdo que nos é apresentado. O autor constrói sua narrativa a partir de fragmentos da vida urbana, os quais, vistos em profundidade, separadamente, e depois em conjunto, viabiliza a compreensão do todo. " [Simei]
"Luiz Ruffato é comparado a um bricoleur, termo emprestado pela crítica ao “escritor que constrói seu texto a partir de fragmentos”. Sua literatura – apresentada no recorte do romance eles eram muito cavalos - caracteriza-se pelo registro não aleatório de imagens (cidade de SP), escolhidas por um olhar não detalhista, mas observador. Dessa forma, o autor consegue reorganizar conceitos da vida moderna reconstruindo seus significados. [Inês Viturino Barbosa]
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Jogo de Cena
domingo, 4 de outubro de 2009
O filho da mãe, de Bernardo Carvalho
“Não pode haver guerra sem mães”, diz Marina Bóndareva, uma das personagens-chave de “O Filho da Mãe”, o mais recente e comovente romance de Bernardo Carvalho. Marina milita no Comitê das Mães dos Soldados de São Petersburgo, uma organização humanitária, destinada a auxiliar, como diz o nome, mulheres russas em busca de seus filhos – presos, perdidos, desaparecidos ou mortos.
Um romance sobre mães e filhos na Rússia? O tema não causa espanto a quem acompanha a trajetória de Carvalho. O deslocamento territorial é um elemento essencial em sua prosa – uma espécie mesmo de bandeira, acredito, contra a literatura que se orgulha do seu caráter nacional, arraigada a brasileirismos ou regionalismos.
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quarta-feira, 12 de agosto de 2009
ENTER - ANTOLOGIA DIGITAL
segunda-feira, 27 de julho de 2009
A cidade ilhada, de Milton Hatoum
Comecei e acabei assim, rapidinho, lendo os contos saltados, e anotando às margens com minha lapiseira 0.9. Gostei muito mais do que esperava, na contramão de seus romances. Uma escrita clássica, num ponto e noutro roçando o Gabriel Garcia Marquez dos Doze contos peregrinos, e umas maneiras de Borges, talvez a sobriedade. Manaus unipresente. Estrangeiros lá e aqui, mas sempre a Amazônia, e assim algo de exótico reverberando. Engenhosa habilidade de Hatoum de construir suspense e algum mistério. Num dos grandes contos: o que está em Machado de Assis (mas com desfecho mal resolvido) é bonito modo de Hatoum de arejar nos contos aquela tendência neo-regionalista que há em sua prosa. A fingida memória (familiar, no limite da crônica, mas e as palavras). Com ele, nada de brechtismo: sabe ele bem esconder o verso do bordado. Nele, tudo soa ponderado, mil vezes visto revisto. Literatura calculista? Literatura de fardão? Onde a espontaneidade, a seta certeira? E o tempo presente? (a quem interessar possa?) Todos os velhos críticos sossegados. Hatoum não quer inspirar paixão, é amor de esposa amantíssima, dona-de-casa honrada. Não puxa o tapete. Não foge com o vizinho. E eu ouso dizer que gostei até demais, pois tudo é belo (porque sem sobressalto), tudo amorável até no que lhe falta: aquele quê de transcendência que fazia dos poetas e prosadores mais antigos uma espécie de milagre.
Do rigor na Ciência
Naquele Império, a Arte da Cartografia atingiu uma tal perfeição que o mapa duma só Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do Império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmedidos não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império que tinha o tamanho do Império e coincidia ponto por ponto com ele. Menos Apegadas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes entenderam que esse extenso Mapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às inclemências do Sol e dos Invernos. Nos Desertos do Oeste subsistem despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos. Em todo o País não resta outra relíquia das disciplinas geográficas”. [Suárez Miranda: Viagens de Varões Prudentes, livro quarto, cap. XIV, Lérida, 1658. Fragmento selecionado por Jorge Luis Borges, "Do Rigor na Ciência", in "História Universal da Infâmia", tradução Flávio José Cardozo, Porto Alegre, Globo, 1978]
quinta-feira, 16 de julho de 2009
A cidade ilhada, de Milton Hatoum
Vídeo promocional sobre livro de contos de Milton Hatoum, "A cidade ilhada".
A arte de produzir efeito sem causa - Lourenço Mutarelli
Vídeo promocional do livro de Lourenço Mutarelli.
"O Gato Diz Adeus", de Michel Laub
Vídeo pormocional de literatura da Cia das Letras, sobre romance de Michel Laub, O gato diz adeus.
Entrevista de Bernardo Carvalho
Apresentação do livro O filho da mãe, de Bernardo Carvalho (Projeto "Amores Expressos")
ENCERRAMENTO
O curso encerrou, mas o blog continua. Em breve, postagem de alguns trabalhos desenvolvidos no curso e outras participações.Eduardo Araújo
Entrevista de Cíntia Moscovitch
terça-feira, 23 de junho de 2009
Entrevista com Ivana Arruda Leite
domingo, 21 de junho de 2009
Nelson de Oliveira
Naquela época tínhamos um gato
Noite feliz
quarta-feira, 10 de junho de 2009
O maníaco do olho verde, de Dalton Trevisan
É justamente sobre as idiossincrasias dessa teia de universos que se debruça Dalton Trevisan em seu mais novo livro: O Maníaco do Olho Verde. Através dos 26 contos que compõem o volume, o leitor tomará caso com as querelas de um viciado em craque, imerso, por dívida, na criminalidade; às investidas sequiosas de um padrastro tarado; os malogros de um fulano que se envolve com a ex-mulher de um policial, entre outras desgraças possíveis. A condição de desgraça eminente parece, na verdade, conferir alguma unidade às histórias postas, que tratadas com a devida dose de escárnio, se isentam de qualquer busca de pureza através da sobreposição de elementos sórdidos, comuns às investidas de tal natureza.
PARA ENCONTRAR EBOOKS
Márcia Denser
Caio Fernando Abreu
Daniel Galera
terça-feira, 2 de junho de 2009
Amor cristão
"Para Iemanjá"
in Rasif, mar que arrebenta.
"Mataram o salva-vidas"
in Angu de sangue.
[O autor, Marcelino Freire lê seu conto "Mataram o salva-vidas"]
"Homo erectus"
in BaléRalé, de Marcelino Freire