segunda-feira, 27 de julho de 2009

A cidade ilhada, de Milton Hatoum

Comecei e acabei assim, rapidinho, lendo os contos saltados, e anotando às margens com minha lapiseira 0.9. Gostei muito mais do que esperava, na contramão de seus romances. Uma escrita clássica, num ponto e noutro roçando o Gabriel Garcia Marquez dos Doze contos peregrinos, e umas maneiras de Borges, talvez a sobriedade. Manaus unipresente. Estrangeiros lá e aqui, mas sempre a Amazônia, e assim algo de exótico reverberando. Engenhosa habilidade de Hatoum de construir suspense e algum mistério. Num dos grandes contos: o que está em Machado de Assis (mas com desfecho mal resolvido) é bonito modo de Hatoum de arejar nos contos aquela tendência neo-regionalista que há em sua prosa. A fingida memória (familiar, no limite da crônica, mas e as palavras). Com ele, nada de brechtismo: sabe ele bem esconder o verso do bordado. Nele, tudo soa ponderado, mil vezes visto revisto. Literatura calculista? Literatura de fardão? Onde a espontaneidade, a seta certeira? E o tempo presente? (a quem interessar possa?) Todos os velhos críticos sossegados. Hatoum não quer inspirar paixão, é amor de esposa amantíssima, dona-de-casa honrada. Não puxa o tapete. Não foge com o vizinho. E eu ouso dizer que gostei até demais, pois tudo é belo (porque sem sobressalto), tudo amorável até no que lhe falta: aquele quê de transcendência que fazia dos poetas e prosadores mais antigos uma espécie de milagre.



Contos:

Varandas de Eva
Uma estrangeira da nossa rua
Uma carta de Brancroft
Um oriental na vastidão
Dois poetas da província
O adeus do comandante
Manaus, Bombaim, Palo Alto
Dois tempos
A casa ilhada
Bárbara no inverno
A ninfa do teatro Amazonas
A natureza ri da cultura
Encontros na península
Dançarinos na última noite.

A cidade ilhada. Milton Hatoum. Cia das Letras. 2009.

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