quarta-feira, 25 de abril de 2012

Resenha de Como funciona a ficção, por Flora Sussekind


Flora Süssekind resenha Como funciona a ficção, de James Wood

Há uma dimensão quase farsesca no pragmatismo crítico de James Wood. Se é que se pode chamar de “crítica” uma reaplicação anacronizante e redutora (em geral, sem qualquer crédito) de categorias e perspectivas analíticas alheias como a que move o livro “Como funciona a ficção”. Algo, de fato, soa falso desde a epígrafe auto-irônica, evocando culinária (mas, com nobreza, via Henry James), e a introdução tratando o próprio ensaio de “manual” e “livrinho”. Pois, geminada a esse topos da despretensão, ao didatismo do guia de apreciação literária, que se deseja, em (condescendente) linguagem terra-a-terra, de algum uso para o leitor comum, há uma primeira pessoa fortemente impositiva, e incapaz de autoproblematização, conduzindo tanto a exibição de uma espécie de florilégio do cânone moderno, quanto um elogio pouco velado à própria capacidade de distinguir o “engenhoso” do “realmente interessante” e de resolver “de forma prática” as questões teóricas fundamentais sobre a ficção a que a “teoria literária e a crítica acadêmica”, a seu ver, não teriam chegado a responder “muito bem”.

A crítica universitária e a reflexão teórica não à toa aparecem como antagonistas desde as primeiras páginas de seu manual. Mas antagonistas que funcionam como desconfortáveis pontos cegos de um crítico que procura deslizar com estilizada naturalidade, e sem maiores paradas reflexivas, pelas questões de narrativa e teoria da ficção que mal deixa virem à tona em seu texto. “Quando um estilo se decompõe, se aplaina num gênero”, diz Wood, a certa altura, sobre o realismo comercial. Se haveria o que discutir nas noções woodianas de estilo, realismo e gênero, há algo nessa observação que parece se voltar contra seu autor. Quando a crítica se decompõe, e perde a reflexividade que a define, pode se aplainar em florilégio e manual. Assim como conceitos e questões, descontextualizados, perdem força cognitiva e viram vocabulário vip para leitores cultivados.

É assim que extrai de Erich Auerbach a noção de mescla de estilos e a concepção de mimesis (que não chega, porém, a definir de fato em momento algum) por meio das quais procura definir o realismo moderno; é em Chklovski, e em suas considerações sobre a imagem poética, que (sem dizer) procura ancorar, mas em sentido oposto ao da desfamiliarização, um elogio à metáfora, “pequena explosão de ficção dentro da ficção”, que “cria um estranhamento e logo em seguida faz uma conexão”; as observações sobre ponto de vista presentes em “Como funciona a ficção” apontam, por sua vez, diretamente para Wayne Booth; e é de estudiosos como Ann Banfield, Genette e Roy Pascal, dentre outros, que toma emprestada (mas achatando-a) a discussão sobre o estilo indireto livre, que parece guiar suas considerações sobre aproximação e distância focal entre autor e personagem. Mesmo quando os empréstimos são óbvios, não há qualquer discussão dos estudos modernos e contemporâneos mais relevantes sobre narratologia e ficção. Wolfgang Iser ou Mieke Bal, para ficar em dois exemplos de leitura obrigatória em qualquer universidade, não recebem sequer referência em nota.

Resta apenas a admiração meio vaga por Barthes e Chklovski. E, dado curioso, e certamente não gratuito, não há qualquer menção, por parte de Wood, em todo o livro, a Dorrit Cohn, professora em Harvard, como ele, e uma das mais importantes estudiosas atuais dos modos narrativos de representação da consciência. O silêncio, nesse caso, parecendo se aproximar de certa ironia (igualmente meio velada) com relação a John Updike, que o antecedeu como resenhista literário na revista “The New Yorker”. Pois se a dualidade e os jogos focais entre narrador e personagem são fundamentais à visão woodiana de ficção narrativa, não parece haver lugar para mais de um ponto de vista em sua prática crítica. Ou para maiores flexibilidades e indeterminações na voz didático-autoral que figura para si mesmo no ensaio em que, paradoxalmente, tematiza o estilo indireto livre.

O procedimento-guia de todo o livro é, também, sempre idêntico. Sugerem-se temas interligados — narrativa, olhar, personagem, detalhe, diálogo, empatia, consciência, realismo e assim por diante — e, sem maiores investigações históricas ou conceituais, passa-se a algum tipo de exercício de “close reading” no qual, mais do que iluminar analiticamente os trechos escolhidos, em sua maioria verdadeiros lugares comuns da crítica moderna (Flaubert, Virginia Woolf, Henry James, Kafka, Tolstoi), procura-se ressaltar sobretudo a voz de mestre, a “capacidade de ver e relatar o que vê” do crítico. Uma visão da qual se procura excluir o “projeto literário contemporâneo”, como se refere a ele o crítico. À exceção de um ou outro exemplo já canônico, como Saul Bellow, a cuja obra James Wood tem se dedicado regularmente. O que não deixa de ser curioso, sobretudo num crítico dedicado desde jovem ao jornalismo literário, primeiro nos suplementos ingleses, depois nos EUA, na “The New Republic” e atualmente na “The New Yorker”. Ao lado do impasse teórico-reflexivo, a contemporaneidade parece se apresentar como um segundo ponto cego que poderia forçá-lo a repensar conceitos, procedimentos narrativos, a redefinir o horizonte ficcional com o qual se defronta, embate que certamente desestabilizaria o seu ensaísmo, que, em vez de pautado em naturalidades e certezas-padrão, exporia o seu “leitor comum” a uma desfamiliarização com potencial crítico bem maior do que o oferecido pelo guia recém lançado pela Cosac Naify.


Como funciona a ficção, de James Wood. Tradução de Denise Bottmann. Editora Cosac Naify, 232 páginas. R$ 49.


*FLORA SÜSSEKIND é crítica literária, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, professora de teoria do teatro da UNI-Rio e autora de “A voz e a série” e “O Brasil não é longe daqui”, entre outros.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

"No horizonte do novo século - Marca da literatura brasileira", artigo de Regina Zilberman.


(...)
4. Inovação e renovação literária
Supõe-se que o único compromisso de um autor de obras literárias, sejam elas de natureza lírica, narrativa ou dramática, seja com sua própria arte. Essa, por sua vez, pode nascer espontaneamente, mas depara-se com alguns horizontes, entre os quais se reconhece a imposição do cânone. Formatado por distintas tradições — a nacional, a internacional, a linguística, a estética —, o cânone aparece na condição de um desafio e, sobretudo, de um enigma, que o artista deve decifrar, sob pena de ser devorado, por não saber fazê-lo ou não ser bem-sucedido.

O cânone, por muito tempo, requereu sua própria reprodução. Distintos classicismos empenharam-se na afirmação de normas e paradigmas a que cabia obedecer e dar seqüência. Os modernismos e as vanguardas inverteram a ordem: o cânone aí está para ser desacatado, rejeitado e desconstruído.
O ímpeto revolucionário das primeiras décadas do século 20 pode ter arrefecido à medida que os decênios se passaram. Não desapareceu, porém, do horizonte do campo literário, induzindo cada artista, de uma parte, a inovar, se comparado com seus contemporâneos e predecessores, de outra, a renovar-se permanentemente, se examinada sua trajetória artística ao longo do tempo. Diante dessa provocação, e sobretudo quando somada ou cotejada aos desafios anteriores, não se pode negar que as novas gerações de escritores brasileiros têm apresentado inovações substanciais, sem deixar de se renovar continuamente.
Cabe mencionar primeiramente autores cujas obras inaugurais datam da década de 1960, como Dalton Trevisan, que, se de uma parte permanece fiel à forma do conto, de outra, investe ininterruptamente em uma narrativa profanadora, cortante e implacável, de que são exemplos os recentes Violetas e pavões e Desgracida, apontando para a fertilidade de seu imaginário de contista.
Foram, porém, os escritores estreantes nos anos 70, do século 20, que acompanharam a nova situação da literatura brasileira, de que os desafios aqui dispostos resultam. Chico Buarque de Holanda publicou seu primeiro romance, Fazenda modelo, em 1974, alegoria de fundo político que desmontava o “milagre brasileiro” propalado pelo regime militar. Seus investimentos literários subseqüentes foram Estorvo, de 1991, e Benjamin, de 1995, propostas, sobretudo a primeira, de linhagem experimental, sendo a cronologia movida pelo fluxo da memória e pelos distúrbios emocionais do protagonista. Dez anos depois, Buarque afina-se ao pendor intertextualista da literatura, publicando o multipremiado Budapeste, de 2004; mas o ficcionista dá novo giro à sua prosa, lançando, em 2009, Leite derramado, romance em que trava um debate com a tradição do romance brasileiro, encarnada em Machado de Assis e Oswald de Andrade. Cristovão Tezza começou a publicar seus primeiros livros nos anos 1980, tendo alcançado a maturidade desejada na primeira década do século 21. Exemplos são tanto O fotógrafo, de 2004, quanto o bem-sucedido O filho eterno, de 2007, romance em que se diluem as fronteiras entre a memória e a fantasia, e entre a história e a ficção.
Milton Hatoum talvez possa representar o melhor exemplo de inovação e impacto nos anos 1990, quando lançou o romance Relato de um certo Oriente, mescla de narrativa memorialista, metaficção historiográfica e discussão das possibilidades de representação do exotismo tropical. Dois irmãos, de 2000, e Cinzas do Norte, de 2005, dão continuidade à carreira exitosa, de repercussão internacional, a que se seguem as publicações recentes do autor: Órfãos do Eldorado, de 2008, e A cidade ilhada, de 2009.
A última década deu vazão a uma plêiade de novos talentos, podendo-se destacar os seguintes nomes, considerados sobretudo aqueles que vêm recebendo prêmios significativos em concursos de repercussão nacional: Bernardo Carvalho, de Nove noites (2002) e Mongólia (2003); Luiz Ruffato, de Eles eram muitos cavalos (2001); Miguel Sanches Neto, de Um amor anarquista (2005) e Chá das cinco com o vampiro (2010); Marcia Tiburi, de Magnólia (2005); Nuno Ramos, artista plástico e escritor, autor de Ó (2008); Maria Esther Maciel, de O livro dos nomes (2008); Amilcar Bettega Barbosa, de Deixe o quarto como está (2002) e Os lados do círculo (2004); Lourenço Mutarelli, de A arte de produzir efeito sem causa (2008); Marcelo Mirisola, de Bangalô (2003) e Animal em extinção (2008); Rodrigo Lacerda, de O mistério do leão rampante (1995), eOutra vida (2009); Michel Laub, de O segundo tempo (2006); Tatiana Salem Levy, de A chave da casa (2007).
Relacionaram-se aqui apenas ficcionistas, e tão somente criadores nascidos entre 1960 e 1980, o que corresponde a uma geração que, em 2010, oscilava entre os trinta e cinqüenta anos de idade. Logo, constituem não apenas a literatura que se faz hoje no país, mas também a que provavelmente continuará ativa nas próximas duas décadas. Ela se depara com outro desafio, o último a se mencionar nesta exposição: dar vazão a uma arte de alcance internacional, sem deixar de se revelar brasileira.
(...)
GAZETA DO POVO. Rascunho. "No horizonte do novo séculoMarca da literatura brasileira" de Regina Zilberman.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Beatriz Bracher sobre Meu Amor



Beatriz Bracher fala no Entrelinhas sobre o livro de contos Meu Amor.

José Rezende Jr.


Contista brilhante, com livros gratuitos para download em sua página oficial.

LINK

Beatriz Bracher - no Entrelinhas

Revistas da USP

Achei link oficial para baixar em formato .pdf duas das melhores revistas de ensaios literários produzidas por renomados críticos da Universidade de São Paulo. As revistas são Magma e Literatura e Sociedade. Material imprescindível para quem quer ter uma carreira consistente no campo dos estudos literários. Infelizmente dois números da Magma se encontram corrompidos e impossibilitados de download, mas o restante está perfeito. Recomendo.

http://dtllc.fflch.usp.br/revista-magma

terça-feira, 17 de abril de 2012

Como lemos na era digital


Como lemos na era digital, de Dwight Garner.
 Folha de S. Paulo. NYT, 9.04.2012

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Fita verde no cabelo, de João Guimarães Rosa


"Fita Verde no Cabelo (Nova velha estória)"
in Ave, palavra, de João Guimarães Rosa. 
Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro, 1970

Objecto Quase, de José Saramago


Orelha de Objecto Quase, de José Saramago.

Dez anos



De dez em dez anos acontece uma desgraça na minha vida. Uma bomba relógio com precisão terrorista. Sempre perto do meu aniversário, sempre nas datas redondas. A última foi o mês passado, quando fiz cinqüenta anos.
O telefone tocou e eu reconheci na hora.
- Quem está falando? - Luís perguntou sabendo que era eu.
- Com quem quer falar? - respondi sabendo que era ele.
- A Alzira, por favor.
- Não está me reconhecendo?
- Claro que estou, como vai? - assim mesmo, como se nos falássemos a toda hora.
De dez em dez anos Luís me procura.
- Os primeiros cinqüenta já se foram, - ele disse tentando disfarçar a emoção - agora só falta metade.
- Quem merece viver cem anos? - perguntei.
Ele insistiu num encontro. Eu não queria. O que ainda havia para ser dito?

Quando cheguei ao restaurante, ele já estava lá. Os cabelos mais brancos, as costas curvadas, Luís agora usava óculos. O mesmo homem elegante de sempre. Ele me abraçou e disse que eu não mudara nada nos últimos dez anos. Agradeci a gentileza e chamei-o de mentiroso. Sei bem o estrago que o tempo faz numa mulher.
Todo orgulhoso, ele contou do filho, que é médico e mora nos Estados Unidos.
- Fernando está com trinta anos, é cirurgião plástico. - De repente, tomado por uma vergonha repentina, mudou de assunto: - e você, ainda mora sozinha?
- Que jeito.
- Por que não arruma companhia? Sua casa é tão grande.
- Minha solidão preenche a casa inteira. Ela fica até pequena.
Luís deu risada do meu sarcasmo.
- Você precisa de alguma coisa? - quis saber antes de nos despedirmos.
- Eu estou bem, não se preocupe.
Dois dias depois, Fernando me ligou dando a notícia da morte do pai.
- Ele sabia que ia morrer? Estava doente? - talvez por isso tenha insistido tanto no encontro.
- Doença nenhuma. Papai estava forte como um touro.

Quanto tempo ainda viverei sem que o telefone toque e seja ele me dando os parabéns, achando que estou cada vez mais moça?
E eu que pensei que, depois da morte de Marcos, nada mais me abatesse.

Eu tinha quarenta anos quando perdi meu filho. Um caminhão entrou desgovernado no campinho de futebol e atropelou cinco meninos. Marcos foi o único que morreu.

Quando Luís ligou para me cumprimentar pelo aniversário (ele só liga nas datas redondas) ficou sabendo da morte do filho que ele nem chegou a conhecer. Nunca lhe contei quem era o pai. Neste dia, eu me lembro, ele estava muito feliz. Fernando acabara de entrar na faculdade de Medicina.
Quando fiz trinta anos, Luís me procurou e nós nos tornamos amantes. O casamento dele com Maria Amélia não ia bem. "Você é a mulher da minha vida, a única que amei de verdade". Eu sempre soube disso. Nosso caso durou pouco. Terminamos sem que ele soubesse que eu estava grávida.
Aos vinte, quando pensei que ele fosse me pedir em casamento, casou-se com Maria Amélia. "Ela está esperando um filho meu, me perdoa".
Eu tinha dez anos quando Luís mudou-se para a minha rua. [Ivana Arruda Leite]

A escola e o mundo real


A literatura como risco



Luiz Costa Lima

É possível a um relato novelesco tematizar a idiotice contemporânea sem se converter ele mesmo em idiotice? Mantida ao final da leitura do segundo livro de André Sant'Anna, "Sexo" (Sette Letras), a pergunta supõe que saibamos sua resposta: não.

"Sexo" é uma denúncia feroz, mas eficiente, realizada ao nível mesmo da linguagem, da imbecilização róseo-eletrônica com que se encerra o milênio. Mas que se entende por realização ao nível da linguagem? Embora creia sabê-lo, nada me garante que saiba dizê-lo. Começo, pois, pelo título deste artigo. Ao chamá-lo a literatura como risco, afirmo que tratarei de uma experiência literária de extrema ousadia. Devo acrescentar: sua ousadia começa por aparentemente nada dever ao que se reconhece como literário. Uma amostra de seu começo: "As caixas de som, No TETO DO ELEVADOR, emitiam a música de Ray Conniff. O negro, diante da porta pantográfica, fedia. A gorda, que pisava no calcanhar do negro, fedia. O negro fedia a suor. A gorda fedia a perfume Avon.



O ascensorista, de bigode, cochilava. O Executivo de óculos Ray-Ban" etc. O vocabulário é intencionalmente pobre, as frases, intencionalmente lineares, os personagens, rasos, as expressões, semelhantes às das vozes que, cotidiana e televisivamente, martelam nossos ouvidos. Cada história leva a alguma cama.

Lentes gigantescas
Como o leitor não considerará "Sexo" equivalente a um dos tantos pornôs apreciados pelas editoras? Sim, é possível. E não fará mal algum que o engano de leitores aumente sua vendagem: para ser eficaz, a crítica à sociedade de mercado há de passar pelo mercado. Se esse mergulho no inferno é pouco provável para o ensaio e altamente improvável para o ensaio teórico, é passível de suceder na prosa novelesca. A plasticidade da literatura permite que ela assuma usos não literários. Mas como a literatura não se descaracterizaria se, de início, "Sexo" renuncia à identificação literária? Sumariamente, porque a linguagem banalizada é sujeita a lentes que a agigantam.

Essas lentes têm a propriedade de converter o que refinadamente se chama(va) "topoi" em inequívocos clichês. Os clichês acompanham o corte transversal na sociedade. A maneira mais direta de verificá-lo consiste em alinhar os tipos que seriam os personagens. O negro que fede e a loura que fede a perfume barato pertencem a escalões baixos da sociedade, assim como as secretárias louras e bronzeadas estão em escalão intermédio, diferentemente daquele em que se encontra o jovem casal meio hippie, por sua vez não idêntico ao do executivo de óculos Ray-Ban, dos executivos de gravatas com tal ou qual combinação de cores, daquele outro, descontraído, que usa roupas jovens e tem um carro importado. Estes se integram em escalão elevado, mas não tão elevado como o diretor de uma multi ou o negro "pop star", que, "naturalmente", não fede.

Não há novidade em nada disso: em cada escalão, reconhece-se a classificação das agências de publicidade classes C, B, B+, A. Cada um usa clichês, faz piadas, frequenta lugares e aspira parceiros sexuais e "climas" diferenciados. Nossa sociedade é tão visivelmente desigual que não se poderia dizer que há aqui alguma descoberta. Onde pois estaria a lente de aumento e porque os tipos são verdadeiros clones? Por efeito de um duplo dispositivo: quer os tipos tenham ou não tenham nome próprio, seguem sempre um figurino. Os clichês se congelam em padrões. Assim o jovem descontraído não dirigirá seu importado para o mesmo tipo de motel que a loura gorda; e o negro que fede nem sequer pensará em alugar um quarto de motel. Obedecer a um padrão, tanto mais rígido porque não imposto, significa não ter nome.

O nome próprio é um mero cacoete. A identidade é a do segmento social em que cada um está. Claro que, desigual, a sociedade não é imóvel. O negro que não fede, que é um astro pop, que fuma a maconha superior que cultivara em sua própria fazenda, já fora um borracheiro que fedia. Em troca, o adolescente que cultiva gostos não estandardizados apenas se prepara para sua breve integração.

A este dispositivo se agrega um segundo: cada tipo acumula progressivamente novos clichês, que passam a fazer parte de sua designação, de modo que a referência a cada um supõe a repetição da carga acumulada.

O dispositivo vai além da designação dos clones e se expande ao nível das frases ou mesmo dos períodos. Passam assim a haver verdadeiros clones-gêmeos, como os dois jovens executivos, cuja "individualidade" se limita à diferença das cores de suas gravatas listradas, que têm noivas igualmente louras, que preferem os mesmos filmes, que lêem os mesmos artigos da mesma revista etc.

Os clones-gêmeos são induzidos aos mesmos erros, que levam suas noivas a romperem com eles e, finalmente, a se casarem cada uma com o ex-parceiro da outra.

O que chamamos de dois dispositivos não atualiza o que, no vocabulário nobre-clássico, se chamava paródia? Sem dúvida. Só que a paródia é aqui tão gigantescamente ostensiva que o nome se torna impróprio. Precisamos de uma expressão direta para o universo cru. "Sexo" é o pôster sem retoques, cuja ampliação revela os grãos de uma sociedade imbecilizante. Mas a imbecilização por si não é capaz de manter uma sociedade. É preciso que essa tenha um eixo que, imbecilizante, não se confunda com o seu produto. Que eixo, pois, tem a sociedade, cujo microcosmo serve de matéria para "Sexo"?

Seu título já o diz. O que antes se chamaria erotismo se converte em culto, industrialmente estimulado, do pau e da vagina. Essa ossatura é tão una que dela não escapa nem o quarentão de Ray-Ban, nem o psicanalista que, enquanto lê Freud, pensa na jovem vendedora da butique de roupas jovens. Mas um elemento não afina com a ossatura, e a dela é potencialmente desagregadora: os clones dos escalões mais baixos são atraídos pelo sagrado que não está nas cogitações dos demais. A igreja a que aderem os domestica, ensinando-lhes bons modos e não condenando a sexualidade livre entre os fiéis. Assim fazendo, seus "bispos" favorecem a ordem social, não são incomodados e asseguram seu bem-estar. Por que então pensar que tal religioso é potencialmente desagregador?

A afirmação remete à teoria do sagrado que René Girard desenvolvera em "La Violence et le Sacré". Girard tomava como ponto de partida o que chamava o "desejo mimético" -em vez de o desejo ser definido pela atração por um objeto, ele se configuraria em razão da existência de um rival, no desejo. O rival é, ao mesmo tempo, admirado e odiado. Na medida em que esse mecanismo se estende pela sociedade, ela é ameaçada por uma violência indiscriminada. As sociedades arcaicas teriam aprendido a conjurá-la por meio da escolha de uma vítima expiatória, sobre a qual se concentraria toda a violência da sociedade.

O sacrifício da vítima, de sua parte, era justificado em razão de um sagrado, cuja sede de sangue seria aplacada pela imolação da vítima. Em suma, o sacrifício constituiria a "boa violência", aquela que simultaneamente eliminaria a violência indiscriminada e satisfaria o deus que a instilara nas criaturas. Aqui está a questão.

A sociedade contemporânea elege como vítima por excelência o pobre feio e velho. Em vez, contudo, de ser ela uma vítima que condensa e neutraliza a violência indiscriminada, ela assume o caráter de o excluído.

No vocabulário corriqueiro, é um "loser", o perdedor, a que se contrapõe a escala dos vencedores. Por isso mesmo, o "sagrado" contemporâneo interessa apenas aos excluídos. É certo que seus administradores procuram um "re-ligare" que favoreça a ordem social. E esta aceita a nova "religião" enquanto ela desarma os perdedores. De qualquer modo, os vencedores ignoram tal sagrado e adoram apenas o sexo indiscriminado. Em termos de Girard, vivemos o momento avançado da "crise sacrificial", aquele em que a violência indiscriminada ou já explodiu ou está em vias de explodir. Seria esse o germe da fratura contra a sociedade imbecilizante? Ao se ampliar em pôster gigantesco, "Sexo" converte o pornô em denúncia.

Luiz Costa Lima é crítico, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Pontifície Universidade Católica-RJ e autor de “Vida e Mimesis”. Ele escreve mensalmente na seção “Brasil 500 d.C.”




Domingo, 2 de janeiro de 2000. Folha de S. Pauluo Mais! [ +brasil 500 d.C.]


[Resenha do livro Sexo, de André Santana]

Toda Prosa II, de Márcia Denser




Toda Prosa II, de Márcia Denser. Editora Record. 256 páginas.

Herdeira literária de Oswald de Andrade e Hilda Hilst, a escritora Márcia Denser tornou-se célebre nos anos 1970/80 após o lançamento de Diana Caçadora e Tango Fantasma. Os dois livros lhe renderam os rótulos que hoje ela mesma define como "bobagens": musa dark da literatura e escritora favorita de Paulo Francis. Mas reduzi-la a etiquetas é uma injustiça, afinal, La Denser (como ficou conhecida) é considerada uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira contemporânea.

Política subversiva, dramas existenciais e virtualidade nos relacionamentos são alguns dos temas das novelas e contos reunidos na antologia Toda prosa II. Elementos do cotidiano - logradouros ou celebridades, álcool, música, publicidade, a noite, o cinema, grifes, literatura - dão mostra de um escritora ímpar, entre o maldito e o pop mais fustigante, sem deixar de lado o refinamento da tonalidade poética.

No livro, reaparecem dois personagens paradigmáticos de Denser: Diana Marini, seu alter-ego, e Júlia, protagonista de vários de seus contos e também do novo romance Caim, publicado em 2006 pela Editora Record. Mas não só esses, outros tipos povoam as páginas da antologia, "habitantes da noite e da devassidão, não só dos excessos do álcool e do sexo, mas principalmente da alma", como bem explica Cristina Ferreira-Pinto Bailey no posfácio.

Em um texto agridoce, no qual a ironia serve a um olhar sensível e perspicaz, a autora constrói uma ponte muito particular que permite ao leitor ir e voltar entre os anos 70, 80 e 90 - seus costumes característicos, as dores de cada tempo e, marco de todos eles, a fluidez dos seres. Márcia entrega-se, sem medo e com sarcasmo, à tarefa de escarafunchar, de aplicar todo o potencial de seu bisturi, à mão solta, para dissecar nossas fragilidades, nossa incapacidade de manter minimamente o fio da meada, até mesmo quando nos imaginamos seguros?, elogia Bernardo Ajzenberg.


Joca Reiners Terron - uma entrevista


Contos paulistas (sobre Marcia Denser)


Em "Contos paulistas", Wilson Martins fala sobre os contos de Márcia Denser.

Beatriz Bracher


Romancista e autora do livro de contos Meu amor.

Patrícia Melo


Romancista e autora do livro de contos (2012) Escrevendo no Escuro.

Lamartine Babo, nostalgia e desencanto (ensaio)



"Lamartine Babo, nostalgia e desencanto"
Ensaio de Eduardo Araújo Teixeira sobre a peça Lamartine Babo, de Antunes Filho
Publicado na revista de teatro Questão de Crítica.

Escrevi um ensaio sobre a peça LAMARTINE, de Antunes Filho dirigida por Emerson Danesi. Foi publicado numa revista que simplesmente adoro, Questão de Crítica - voltada exclusivamente para teatro. É o segundo texto que publico lá, e já penso no terceiro, sobre Os sete gatinhos. Para ler o ensaio é clicar no link. 


A criança sagrada: estigma, castigo e transcendência




















"A criança sagrada: estigma, castigo e transcendência "
[Leitura do contos "As flores de Novidade", de Mia Couto]

Ensaio analítico descritivo de Eduardo de Araújo Teixeira
Publicado na Revista Navegações, 2011.

Link para o texto integral em PDF.






Geração 90, antologia org. Nelson de Oliveira




Geração 90 - Manuscritos de computador
Antologia org. Nelson de Oliveira

Orelha de João Alexandre Barbosa.



Geração zero zero, org. Nelson de Oliveira






















Capa e orelha de GERAÇÃO ZEROZERO - Fricções em rede.
Org. de nelson de Oliveira
Ed. Língua Geral - Rio de Janeiro, 2011.


Autores

Flávio Viegas Amoreira
Marcelo Benvenutti
João Filho
Whisner Fraga
Andréa del Fuego
Daniel Galera
Marne Lúcio Guedes
Maria Alzira Brum Lemos
Ana Paula Maia
Tony Monti
Lourenço Mutarelli
Santiago Nazarian
José Rezende Jr.
Sidney Rocha
Carola Saavedra
Paulo Sandrini
Walther Moreira Santos
Carlos Henrique Schroeder
Paulo Scott
Veronica Stigger
Lima Trindade

*-*

Fora ficaram outros contemporâneos interessantíssimos segundo Nelson de Oliveira

Clarah Averbuck
João Paulo Cuenca
Márcia Tiburi
Mário Araújo
Tatiana Salem Levy

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A apologia da preguiça e outros quiproquos entre criticos





Rubem Fonseca, Luís Ruffato, Marcelo Mirisola, Lourenço Mutarelli, Clarah Averbuck






Rubem Fonseca, Luís Ruffato, Marcelo Mirisola, Lourenço Mutarelli, Clarah Averbuck

Sobre O anão e a ninfeta, de Dalton Trevisan


Novas rimas entre o patético e o poético, crítica do livro de contos de Dalton Trevisan, O anão e a ninfeta.

Múltiplas faces da literatura brasileira - Sabático




Sobre o filme A pele que habito, de Pedro Almodóvar



Briga dos pos-utópicos por antologias




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Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea

Estudando os contistas pós-utopicos ou as novas formas
da Literatura Brasileira.