A produção nacional vista em perspectiva
13 de agosto de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
A convite do Sabático, Walnice Nogueira Galvão, Alcides Villaça (ambos da USP) e Francisco Foot Hardman (da Unicamp) debruçaram-se, respectivamente, sobre a narrativa, a poesia e o ensaísmo que os autores do País têm levado ao público. Longe de pretender esgotar a reflexão sobre esses gêneros ou estabelecer novos cânones, a série - que começa nesta edição, com o artigo de Walnice, e prosseguirá nos dois próximos números - pretende funcionar como mais um instrumento oferecido aos leitores para que compreendam melhor as linhas de força da literatura que se pratica hoje por aqui.
Ayrton Vignola/AE
FIGURAÇÕES DA NARRATIVA ATUAL
WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
Qualquer olhar sobre a ficção contemporânea é logo de saída atravancado pela avalanche da produção e pela lógica do mercado, que finalmente impôs o modelo do best-seller. Sem esquecer que a era digital trouxe a possibilidade de cada um publicar seu livro, dispensando a mediação das editoras. Autônomos, textos curtos como contos e poemas circulam intensamente pela internet, na vivacidade dos boletins eletrônicos e dos blogs.
Para ater-nos ao livro, é bom lembrar que o mercado nacional conheceu inédita expansão nos anos 90, quando proliferaram as pequenas editoras, elevando seu total no país a cerca de 500, na estimativa da Câmara Brasileira do Livro. Dentre elas, umas 50 maiores controlam 70% do mercado, sobrando uma pequena parcela para as muitas outras. Trata-se de um setor nada desprezível, já que seu volume de negócios, embora menor quando comparado ao das línguas dominantes, é da ordem de US$ 2 bilhões.
Nunca se editou tanto no Brasil. A produção cresceu a tal ponto que, antes da retração dos últimos anos, elevou o país ao 10.º lugar no ranking mundial. Da ficção, vasta e variada, examinaremos apenas os pontos mais altos, que sobressaem da mediania. Uma abordagem panorâmica dos contextos permitirá levar em conta não só os temas como também as formas, para esboçar as modulações que a prosa literária perfaz no novo milênio.
Prosa literária. Não há como escapar ao diagnóstico de que nossa literatura tornou-se metropolitana, para isso desertando o regionalismo, que entretanto agoniza mas sobrevive após meio século de hegemonia, defendido pela pena de João Ubaldo Ribeiro, Antonio Torres, Francisco Dantas, Assis Brasil. Um tal perfil encontra sua expressão na forma dominante da ficção de nosso tempo, em qualquer país, que é o thriller, como o chamam os norte-americanos, definido pela ação violenta cheia de suspense.
Tendendo ao despojamento, trouxe tanto o desprezo pela retórica quanto a vontade de depuração, vindo enxugar nossa prosa. No processo, encolheu o léxico, que se tornou limitado, e a gama de assuntos. Devotou-se a escrever sucinto, direto, elíptico, e como que impôs um modelo de literatura metropolitana a seus praticantes. E abandonou a experimentação e as questões de forma. Os leitores, assim afinados, passaram a achar outro tipo de prosa indulgente, derramado, beletrista. Essas marcas passariam a ser a tônica no panorama literário. O carro-chefe da tendência é a obra de Rubem Fonseca, em cuja esteira surgiram Nelson de Oliveira, Fernando Bonassi, Marçal Aquino, Patrícia Melo, Luiz Ruffato, Marcelo Mirisola.
De modo minoritário, sobrenadam outras tendências. Por exemplo, a afirmação crescente do romance histórico, em que se reelaboram episódios pretéritos, recriados em craveira ficcional, praticado por Márcio Souza, Alberto Mussa, Ana Miranda, João Silvério Trevisan, Isaías Pessotti. No outro extremo, a ponta de lança é empunhada pela obra dos pós-modernos. Estes põem em xeque a narrativa tradicional, estilhaçando-a, manejando a intertextualidade, a colagem e a montagem, em seu propósito de desconstruí-la. Basta um olhar à obra de Ignácio de Loyola Brandão, Silviano Santiago, João Gilberto Noll, Valêncio Xavier, Chico Buarque, João Almino, Bernardo Carvalho.
Por seu interesse e novidade destacam-se os reclamos dos guetos, das margens, do não hegemônico: falamos agora dos negros, dos homossexuais, das mulheres. Estes escritores podem estar participando de uma urgente tarefa internacional, qual seja a de dar voz a minorias e oprimidos. A voz dos negros se faz ouvir no presente, especialmente aquela oriunda da periferia e da favela, do cinturão violento da metrópole. São exemplares as obras de Ferrez e de Cuti.
O resgate das reivindicações das mulheres é notável nos trabalhos universitários, com a revelação de obras escritas no feminino relegadas ao olvido, nos séculos anteriores. No bojo de uma plêiade de veteranas, em que se destaca Lygia Fagundes Telles, emerge na escrita de alguém como Márcia Denser a ousadia dos temas, ostentando a sexualidade feminina, mostrando a mulher que abre caminho no torvelinho cheio de ciladas da metrópole, contestando o poder masculino.
Diversidade cultural. Exige exame mais detido, devido à voga internacional, uma tendência que guarda afinidades com o romance histórico, sem com ele confundir-se: é a saga da imigração. Nos anos 20 e 30, o Modernismo ocupou-se do recém-chegado contingente italiano, que vincou o tecido sociocultural, sobretudo em São Paulo. Desde então, pudemos ler ficção que fala da chegada e da acomodação dos espanhóis (Nélida Piñon), dos judeus (Moacyr Scliar), dos árabes (Raduan Nassar, Milton Hatoum). Aguardamos mais aportes, quando verificamos a existência de etnias relevantes já enraizadas mas quase sem voz literária, como a japonesa.
Há muito a fazer, mas da valia da empreitada falam tanto os resultados obtidos entre nós quanto a literatura de língua inglesa, com o que já soube extrair de situações de expatriamento e de fricção interétnica, a exemplo dos sul-africanos, que brilharam no registro do apartheid. Por seu lado, os norte-americanos elaboraram todo um ciclo de romance da imigração, enquanto os ingleses fizeram o processo do colonialismo.
Cabe observar que, na atualidade, esta tendência é uma das mais atraentes para o público do exterior, na figura do romance étnico, que a crítica rotula indevidamente de "pós-colonial", última moda da indústria cultural cosmopolita, na qual se insere Cidade de Deus, de Paulo Lins. Resultam best-sellers em linha de montagem: basta entrar numa livraria para encontrá-los às dezenas e às centenas. Uma leitura mesmo sumária mostra que giram em torno de uma ou mais cenas centrais de brutalidade escabrosa, o enredo devotando-se a encaminhar um suspense que aí encontra seu clímax e desenlace. Em seu sadismo básico, tal cena tem em mira atiçar o voyeurismo do leitor, ao mesmo tempo que degrada ainda mais os nativos.
Há que refletir sobre o seguinte: essa literatura étnica oferece aos brancos dos países ricos o exotismo a que aspiram. Para reassegurá-los de sua supremacia, são-lhes servidas as peripécias de facínoras mestiços: o exotismo é não só africano e asiático mas também brasileiro. Assim, os países periféricos fazem literatura e cinema "de exportação", ou seja, exportam matéria-prima colonial a nível simbólico.
Se o assunto for a adaptação dos desterrados, o território se situará nos enclaves de estrangeiros de pele escura nos países ricos. Para os demais, o cenário comum é o torrão natal, sempre exótico - Oriente Médio, nações africanas, Índia e Paquistão, Brasil.
Ampliando o âmbito. A evolução do jornalismo vem expulsando da página impressa profissionais veteranos, especialmente aqueles mais ligados ao campo cultural, que então empregam seus talentos em programas de televisão, em revistas eletrônicas ou no biografismo.
Este novo biografismo propriamente nacional - já que o antigo constava sobretudo de traduções - começou como resgate da crônica da esquerda, dizimada pela ditadura militar que se implantou por golpe em 1964. Sua matriz estilística pode ser rastreada em dois outros gêneros: de um lado o memorialismo, tal como foi praticado por Pedro Nava, de outro o romance-reportagem de José Louzeiro e Percival de Souza.
As biografias ora escritas expressam a urgência de urdir o relato dos tempos próximos, enquanto o recuo azado à historiografia pode demorar a se instalar. O fato de algumas terem se tornado best-sellers foi uma benesse a mais. Tais obras quase se transformam propriamente em ficção, mantendo todavia uma voz neutra e objetiva, mais próxima do jornalismo, não escondendo seu parentesco com a crônica. Os mestres do gênero são Fernando Morais e Ruy Castro, com inúmeros seguidores.
Acrescente-se que são bem menos sisudas que as biografias oficiais, em geral panegíricas, ou as teses. Descartam uma certa solenidade, típica do gênero; em contrapartida, por vezes acolhem versões fantasiosas, pouco comprováveis. Mas o fato de seus autores serem jornalistas, mestres de uma escrita fluente e vivaz, sem dificuldades de leitura, além de incorporar técnicas da ficção como o monólogo interior e o flashback, ou ainda a reconstituição puramente imaginária de diálogos, tende a tornar indistintas as fronteiras entre os dois domínios.
O êxito de vendas e as altas tiragens que tais livros alcançam obrigam à cogitação de que seu condão possa se beneficiar de ainda outro ingrediente da literatura. De fato, parece ter migrado para o biografismo aquilo que tornava atraente a ficção, ao privilegiar um herói e os anos de sua formação, e que acabou por desaparecer, quando as vanguardas tenderam a eliminar o enredo. Dessa maneira, a ficção abria as comportas para a vivência vicária, preenchendo funções psicológicas e sociais valiosas, cujas virtualidades parecem ter-se refugiado hoje nas modalidades biográficas. Enquanto isso, nos catálogos das editoras aumenta sem cessar o número de biografias.
Vejamos de quem trata essa numerosa produção. Em primeiro lugar, e disparado, confirma-se a posição fora do comum que a música popular ocupa na vida dos brasileiros: a maior frequência é de figuras ligadas a essa área: Noel Rosa, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Elis Regina, etc., etc., etc. Em segundo lugar, os holofotes iluminam a cena política: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Marighella, Lamarca, Fernando Henrique Cardoso, Lula. Em terceiro lugar, num gênero em que o monopólio da autoria cabe aos jornalistas, estão os próprios jornalistas, seguidos por personalidades de palco ou tela: Assis Chateaubriand, David Nasser, Roberto Marinho. Sem contar as inúmeras que têm surgido nas novas e apressadas coleções que focalizam gente de telenovela. Constituem exceções as obras sobre alguém menos bafejado pela mídia, e fora desses três grupos, como por exemplo um grande escritor, romancista ou poeta.
É curioso que, em suma, dê para vislumbrar uma nova divisão do trabalho, quando se verifica que professores universitários escrevem ficção e jornalistas escrevem biografias.
* * *
Ao que tudo indica, uma maior compreensão dos romances e contos brasileiros atuais exige uma análise dos contextos tanto nacionais quanto internacionais. Sendo ainda necessário levar em conta, por ser fenômeno recente em nosso país e por transformar as relações de força internas a esse campo, a eclosão da biografia enquanto desdobramento da prosa literária.
ANTONIO GONÇALVES FILHO
Oprofessor de literatura da Uerj e crítico literário João Cezar de Castro Rocha, acaba de lançar um livro que deve provocar incômodo no meio universitário, Crítica Literária: Em Busca do Tempo Perdido?. Tudo porque, ao analisar a polêmica iniciada em 1948 por Afrânio Coutinho contra o "impressionismo" dos rodapés literários publicados pelos jornais da época, assinados por críticos como Álvaro Lins, atestou que ela não acabou. Os acadêmicos, de modo geral, desconfiam da clareza do texto jornalístico e preferem se dedicar ao ensaísmo para poucos. O que Castro Rocha, colaborador do Sabático, propõe é atualizar as lições de Antonio Candido e Mário Faustino, imaginando uma crítica literária insubmissa ao cânone, ideologicamente independente e disposta a um corpo a corpo com o texto.
Você começa seu livro falando do confronto entre Afrânio Coutinho e Álvaro Lins, em 1948. Essa polarização persegue a crítica brasileira desde sempre, com uma espécie de Fla x Flu literário. Isso mudou no Brasil?
A polaridade crítica é um fenômeno mundial. É difícil imaginar um sistema artístico ou filosófico que não funcione, de alguma forma, a partir dela. Meu livro é um convite a um tipo de diálogo que supere os efeitos negativos dessa polaridade. Ela não precisa ser necessariamente Fla x Flu. Você pode criar a polaridade internamente. Nada impede que um crítico, com o passar do tempo, reformule as suas ideias. Na universidade brasileira, dos anos 1960 até os anos 1980, essa polaridade estimulou o aparecimento de obras que dialogavam entre si, mas, nas últimas duas décadas, ela foi substituída por uma polaridade estática, na qual os membros de um grupo "x" só leem as obras do grupo "x" e criticam - sem mesmo ler - as obras do grupo "y".
E como você vê a relação atual entre cátedra e crítica literária jornalística?
Procurei reescrever a história dessa polêmica para contestar uma história consagrada na universidade, que vê nela o triunfo da cátedra sobre o rodapé, ou seja, do método contra a crítica "impressionista". A cátedra não deveria ter disputado com o rodapé porque, em 1948, quando Afrânio Coutinho iniciou com Álvaro Lins a polêmica contra o "impressionismo" dos rodapés literários, já era corrente na imprensa mundial uma transformação fundamental da estrutura jornalística baseada no modelo americano. As novas tecnologias de informação permitiam, enfim, a transmissão imediata de dados, mais ou menos como se fosse a proto-história do que vivemos hoje com a internet. Os jornais estavam eliminando os longos comentários analíticos de todas as seções. A análise, então, foi substituída pela informação e a ideia do "furo". A cátedra, involuntariamente, deu as mãos não para o texto analítico, mas para um processo iniciado pela imprensa mundial depois da 2.ª Guerra, marcado pela americanização da cultura. A universidade escolheu, portanto, o alvo errado. A cátedra não deveria ter batido tanto no rodapé literário.
Não se estabelece, a partir dessa polêmica, certa repressão ao espírito criativo literário tão perniciosa quanto seria a censura aos jornais imposta depois pelos militares?
Há uma grande diferença: a repressão dos militares foi efetiva. A crítica universitária não tinha esse poder nem chegou a reprimir, mas também não constituiu um público cativo como o dos críticos que assinavam os chamados "rodapés literários", de Otto Maria Carpeaux a Sérgio Buarque de Holanda. Parte considerável da crítica brasileira tem um problema grave, que é a falta de um olhar comparativo. Por exemplo, um problema real da crítica formada na universidade hoje em dia é o estreitamento preocupante do horizonte de leitura. Os críticos analisam apenas os textos que confirmam as suas opções teóricas prévias e que levam à leitura de uma única família de autores.
Isso conduz a outra questão, seu desacordo com os críticos Flora Süssekind e Luiz Costa Lima, que partem, segundo você, dessa concepção normativa da literatura. Nossos críticos são conservadores?
Antes, devo ressaltar que tenho a maior admiração por ambos, ela como crítica e ele como ensaísta, mas não tenho nenhuma afinidade com essa concepção normativa da literatura. Tanto o trabalho analítico de Flora como o teórico de Luiz Costa Lima tendem a se repetir indefinidamente, porque o horizonte de leitura é o mesmo, os resultados analíticos e as conclusões teóricas não se alteram - e não se alteram porque ambos acreditam, de fato, possuir a chave para definir o que deve ser a literatura.
A reverência ao cânone não intimidou críticos a ponto de retardar o advento de uma literatura mediana no Brasil, capaz de provocar novas formas de avaliação num país em que todo autor quer ser Guimarães Rosa?
Isso permitiria fazer um paralelo com o cinema brasileiro, pois certamente um dos seus problemas era que todo cineasta estreante queria ser Glauber Rocha. Com isso, o que não se tinha aqui era a noção de indústria, capaz de permitir a circulação sistemática de produtos cinematográficos para criar um público próprio. Isso mudou no cinema. E está mudando na literatura. Os autores mais jovens não só têm abandonado esse projeto de ser Guimarães Rosa como estão produzindo livros de temática variada. Eles não querem mais escrever o "grande" romance brasileiro.
É possível um novo vínculo entre imprensa e universidade na era da internet, quando se pratica uma literatura virtual à espera da legitimação da indústria cultural?
Confundimos literatura com o objeto livro. O que torna a literatura uma experiência antropológica universal é sua capacidade de dar sentido ao que vivemos por meio da narrativa. Precisamos ampliar nossa noção de literatura. Potencialmente, o boom internético tem duas vantagens: uma para a crítica, outra para a criação. É fato que a geração mais jovem lê e escreve muito mais que as anteriores. Há, portanto, uma experiência constante com a literatura. Precisamos apenas aperfeiçoá-la. Há escritores publicados em livro que começaram em blogs. Tudo é uma questão de qualidade.
Mas o fato é que os autores brasileiros contemporâneos, mesmo com essa facilidade da comunicação eletrônica, ainda são pouco conhecidos no exterior. A crítica tem culpa?
Ao contrário do que pensam 99% dos meus colegas brasileiros, considero a crítica literária jornalística feita no Brasil de extraordinária qualidade. Participo há quatro anos do projeto Conexões, do Itaú Cultural, que faz o mapeamento da literatura brasileira no exterior e, analisando pesquisas feitas com 200 professores universitários estrangeiros, concluímos que há um interesse cada vez maior pela literatura brasileira, um aumento no número de traduções. A recepção da literatura brasileira no exterior ocorre cada vez menos pelo viés do exotismo. Hoje é fácil encontrar estudos de críticos estrangeiros relacionando Paul Auster com Bernardo Carvalho. É preciso mais apoio para as traduções. O governo tem de intervir. E isso não significa estatizar a cultura.
Há na cultura brasileira a mania de transformar polêmica em ato pessoal de vingança. Já faz mais de meio século que acompanhamos a briga entre concretos paulistas e neoconcretos baseados no Rio. No livro você cita um exemplo de vendeta caricata que foi o processo judicial movido pelo pintor americano James Whistler contra o crítico inglês John Ruskin, em 1877, com base no prejuízo na venda de seus quadros motivado por ela. Você já sofreu esse tipo de pressão?
Recuso e recusei pedidos para colocar meu nome em abaixo-assinados a favor de autores que se consideraram injustiçados por uma crítica- e, acredite, isso é mais comum do que se imagina. O objetivo disso é um só: que o editor ou o crítico percam o emprego. O problema das polêmicas que duram 50 anos não é que elas atravessem meio século, mas que elas matem todos de tédio por falta de novos argumentos.
Há 30 anos, Silviano Santiago publicou Em Liberdade, investindo numa estética divorciada do modernismo. Ele falava num narrador pós-moderno, próximo de um repórter. Poucos se deram ao trabalho de argumentar. A crítica não revela falta de ousadia ao buscar um porto seguro como o modernismo?
Sem dúvida. O livro é uma tentativa de fugir desse círculo. No capítulo que trabalho com o movimento, tento mostrar que a recepção do modernismo, por três ou quatro décadas, foi o oposto do que temos hoje. Nós nos agarramos a determinados aspectos que num certo momento não foram considerados nem pelos próprios líderes do modernismo. Isso só vai mudar quando assumirmos o risco de termos nossa própria voz, formando brechas nas relações endogâmicas, rompendo com a epigonia. Jovens que pensem numa carreira, sejam jornalistas culturais ou universitários, devem estar seguros de não precisar de nenhuma rede de apoio que comprometa sua independência cultural. Inovar significa assumir riscos, não estar protegido por nenhuma rede de contatos ou capela literária.
O nicho da crítica sociológica nunca deixou de ser reverenciado nessa capela. Ela não teria consagrado autores apenas medianos?
Há duas leituras que atrapalham muito: essa crítica sociológica redutora e a crítica metalinguística exclusivista. Em ambos os casos há um padrão normativo. Há, no entanto, uma vantagem da crítica do rodapé sobre a cátedra: quando Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux ou Antonio Candido escreviam para jornais, por força das características dos veículos, eram obrigados a ler autores que escapavam desses critérios normativos e do cânone. Os jornais tinham a coragem de dar espaço a esses críticos, como fez o Estado ao criar o Suplemento Literário, em 1956. O que precisamos hoje é de uma crítica literária que corra riscos de ampliar seu horizonte de leitura, o que não quer dizer só ler os contemporâneos, mas autores que contrariem sua orientação crítica. Há três críticos que para mim foram fundamentais na minha formação: Erich Auerbach, Antonio Candido e René Girard. E qual é o ponto comum entre eles? É a firme convicção de que a teoria só vale mesmo quando é engendrada no corpo a corpo com o texto.
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