segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A crítica e o vale-tudo - PAULO ROBERTO PIRES


TRÉPLICA

A crítica e o vale-tudo


RESUMO
Paulo Roberto Pires responde a Nelson de Oliveira, que teve os critérios de sua antologia questionados na Ilustríssima de 7/8 e replicou em 14/8. Oliveira não teria sabido explicar seus parâmetros com clareza e procurou desqualificar as objeções que lhe foram feitas valendo-se de truculência e obviedades.

PAULO ROBERTO PIRES

NELSON DE OLIVEIRA diz que gastei 1.300 palavras para "inventar defeitos" da antologia"Geração Zero Zero" [Língua Geral, 408 págs., R$ 45] e que o óbvio desnível intelectual que apontei entre sua avaliação dos autores que escolheu e a da "Granta" dedicada aos "Os Melhores Jovens Escritores em Espanhol" [Alfaguara, 372 págs., R$ 43,90] constitui um "abismo imaginário". Na mesma batida, me chama de preguiçoso, irresponsável, apressado, colonizado.
Não contei quantas palavras como essas ele usou em sua "réplica", mas é certo que nenhuma delas forma uma resposta efetiva às minhas críticas. Sua opção, truculenta e óbvia, é me desqualificar como interlocutor e evitar que se discuta a frouxidão de seus critérios como antologista, o único objeto de meu texto.

AUTOCENTRADO Diz Oliveira que o Brasil tem alergia ao debate. Ele sabe muito bem do que está falando, pois assume como mérito de sua antologia o simples fato de ela existir ou, em sua formulação, "a iniciativa e a precedência" de seu trabalho. Além de autocentrado, Oliveira é perverso em seu tró-ló-ló "gente que faz": é aquela velha história de que num-país-com-tantas-dificuldades-é-uma-vitória-já-ter-realizado-algo.
Uma lógica que torna a crítica, qualquer crítica, uma ofensa pessoal ou uma falta moral: fazer reparos à sua antologia seria descartá-la completamente e, por tabela, estar contra "a literatura brasileira contemporânea".
O raciocínio do autoelogio é ainda edulcorado pela balela populista de que a "Zero Zero" legitima os autores por ela reunidos "fora do mecanismo complexo de prêmios, escolha dos editores e resenhas". Como não fosse Oliveira parte ativa do tal "mecanismo" na condição de diuturno resenhista dos principais veículos do país, escritor premiado aqui e no exterior, doutor em letras e autor publicado há tempos por editoras que de alternativas não têm nada. E só com a autoridade "legitimada", diga-se, pode ele antologizar à vontade, levando mais água para seu moinho cada vez que aponta um "transgressor" ou um "bizarro".

DEBILIDADE Afirma Nelson de Oliveira que decidi me concentrar em sua introdução, aquela que expõe a debilidade de seus princípios de antologista, por "preguiça". Como um bom resenhista, ensina ele, deveria eu "ler não apenas os contos reunidos mas toda a obra dos autores reunidos".
Como os 21 autores publicaram pelo menos duas obras cada, uma resenha "profunda" deveria dar conta de mais de 40 títulos. Isso, é claro, além dos contos inéditos sobre os quais não escrevi, mas que li com atenção suficiente para observar que pelo menos três deles não estão à altura do reconhecido talento de seus autores. Tema bom para longo artigo acadêmico e péssimo para as páginas de jornal.
Oliveira, portanto, tergiversa no limite da má-fé porque quer de todo jeito que eu cite autores, "dando nome aos bois, aos patos" com um objetivo muito preciso: "fulanizar" o debate. Esse filme eu já vi: abre-se uma grita imediata de incluídos e excluídos, e o antologista sai de cena discretamente, deixando de lado o ponto fundamental de minha crítica: a fragilidade dos critérios que adotou para escalar a "Geração Zero Zero". Ao contrário do que diz, citei sobejamente o único autor que gostaria de discutir naquele texto: ele, em sua disposição de antologista.

ESTULTICE O antologista também quer me ensinar a argumentar. Explica ele que uma antologia de brasileiros só pode ser comparada com outra antologia de brasileiros, como se a "Zero Zero" e a "Granta" não fossem iniciativas análogas, buscando identificar talentos conectados de alguma forma em um grupo livremente delimitado por seus organizadores. Mas esta estultice também não é ingênua: ele quer provar que prefiro o estrangeiro pelo estrangeiro, que sofro do complexo de vira-latas rodriguiano, enaltecendo o que "vem de fora".
Nelson de Oliveira sabe muito bem com quem está falando e sabe que a etiqueta de colonizado, além de anacrônica e intelectualmente indefensável nos anos zero-zero que pretende entender, não cola nem nunca colou em mim. Mas finge que não sabe sobre quem escrevi, quem editei e o que já discutimos cordialmente em pelo menos um debate público. E supre esta oportuna amnésia com uma saraivada de desqualificações.
Não é a geografia que faz com que a "Granta" seja mais interessante do que a "Zero Zero": naquela, há elementos concretos para que se arrisquem interpretações dos autores reunidos. É exercício menos espetaculoso e mais inteligente do que lascar um precário denominador comum, o "bizarro", categoria tão invertebrada que não aponta os caminhos dos novatos ali escalados nem acrescenta às leituras dos já bem assentados.
Propus uma conversa, Nelson de Oliveira pediu um vale-tudo. Mas quem nasceu para "Telecatch Montilla" não chega ao UFC. Sugiro então que, bem brasileiro, esforçado, cheio de iniciativas e precedências, profissionalize a carreira de brigão com o codinome Nelsinho Zero Zero. Já sai com lugar garantido em pelo menos duas antologias: a dos antologistas sem bússola nem biruta e a dos antologistas que dizem discutir com Adorno enquanto navegam na Wikipédia.

Nelson de Oliveira tergiversa no limite da má-fé porque quer de todo jeito que eu cite autores, com um objetivo muito preciso: "fulanizar" o debate


Raízes da polêmica

PAULO ROBERTO Pires e Nelson de Oliveira têm atuação destacada na crítica de literatura contemporânea desde os anos 2000.Crítico da Ilustrada e com livros publicados por diversas editoras, entre elas a Companhia das Letras e a Record, Oliveira organizou duas antologias que suscitaram polêmica -"Geração 90: Manuscritos de Computador" e "Os Transgressores", ambas pela Boitempo. Enfrentou críticas de ficcionistas de peso como Marçal Aquino, Bernardo Carvalho e Milton Hatoum, que questionaram a validade do critério geracional e apontaram a intenção de "criar espaço no mercado". Oliveira rebateu as ressalvas na Ilustrada e foi defendido por escritores e críticos que viram nas antologias uma estratégia legítima de marketing literário.

Professor na UFRJ, Paulo Roberto Pires atuou como garimpador de talentos em seus textos na imprensa, sobretudo no extinto site No., tendo sido pioneiro ao escrever sobre autores de projeção hoje em dia, como João Paulo Cuenca, Cecilia Giannetti, Daniel Galera e Daniel Pelizzari. Publicou alguns deles na Planeta e na Agir, onde foi editor.

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