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Bem menos brilhante do que se costuma apregoar, o escritor checo Milan Kundera tem, no entanto, um mérito incontestável: compôs a melhor definição isponível no mercado. Segundo ele, romances em particular, e obras ficcionais em geral, são "o terreno onde o julgamento moral é suspenso". Em outras palavras, neles é possível, ainda que por um breve instante, esquivar-se à "irremovível prática humana de julgar a todos, sem parar, sem compreender". Em sua estréia literária,Nada Mais Foi Dito nem Perguntado, o advogado Luís Francisco Carvalho Filho parece ter decidido comprovar essa tese de uma vez por todas. O resultado é um livro singular e surpreendente.A intenção de "suspender o julgamento" é tanto mais interessante quanto se leva em conta que os treze textos de Nada Mais Foi Dito nem Perguntado têm a ver com o cotidiano do direito nos fóruns e delegacias. Carvalho Filho usa armas curiosas. Ele não escreve contos, mas esquetes que se desenrolam por meio de ágeis diálogos, registrados com objetividade e sem espaço para intervenções "autorais". Além disso, a variedade de personagens e situações exibidas não deixa espaço para estereótipos: não estamos diante de um sistema legal previamente concebido como corrupto ou justo. Espertamente, Carvalho Filho também se concentra em procedimentos como a audiência ou o interrogatório, e jamais no momento dramático da sentença. Ou seja, todas as situações registradas por ele acabam em suspenso, e nunca numa decisão. Para terminar, talvez se pudesse acrescentar uma última volta ao parafuso. Pois num dos textos, Caveirinha, é a própria capacidade da linguagem de transmitir informações precisas que é posta em questão, durante uma atrapalhada audiência. Ou seja, passo a passo, o autor vai deixando de lado tudo que é seguro e certo. Com isso, seus esquetes são um arguto e divertido retrato do universo legal brasileiro. Mas são também algo mais: celebram o prazer e a liberdade envolvidos nos atos de ler ou escrever ficção.
Carlos Graieb
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