quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

TODA PROSA



Narrativas abordam temáticas urbanas e problemas existenciais.

Márcia Denser desenvolve sua maturidade literária


ROGÉRIO EDUARDO ALVES

FREE-LANCE PARA A FOLHA


Antes ela gostava de provocar com um "venham me pegar". Mulher emancipada, entrou para as antologias como Diana Marini, a levada, a safada, mas ingênua personagem dos anos 80.

Hoje reaparece em "Toda Prosa" como Júlia Zemmel, uma mulher mais comedida, séria, que pensa antes de agir e sabe rir de si mesma. Esta é a personagem criada pela escritora paulista Márcia Denser, 45, para esses anos 90 e início de século.

Aos 25 anos de carreira, após viver sua fase "amadora, quando nos apaixonávamos pela causa literária", a maturidade chega: "Está na hora de eu saber me nomear. Escritor não tem impunidade", explica a autora sobre o motivo de incluir na reunião de textos inéditos e dispersos uma apresentação em que se analisa criticamente.

"Atingida a maturidade literária, me confesso uma escritora cult de linhagem clariceana, cortazariana, faulkneriana e por aí vai", escreve.

A racionalidade crítica acompanha a criação de Denser já faz bastante tempo. "É importante para o escritor olhar o outro lado da criação. Gosto de saber o que fiz, por que fiz. Sem surpresa depois. Esse negócio de não saber é para quando somos jovens. Com a maturidade intelectual e cultural adquire-se uma visão crítica. Crítica que sempre vem a posteriori."

Embora a passagem de Diana para Júlia caracterize a profundidade reflexiva deste "Toda Prosa", primeiro livro solo desde 92, a personagem principal é mesmo a "prosa poética". "Retorno a minhas manias, como quem retorna a locais para rezar", explica Denser, lembrando da característica repetitiva da poesia.

Traduzida em diversos idiomas, suas narrativas giram ao redor de temáticas urbanas e problemas existenciais contemporâneos. "São minhas obsessões", diz, citando o escritor argentino Jorge Luis Borges.

Em "Toda Prosa", o duplo "desejo e pó", tomado longinquamente ao latino Horácio, como que costura muitos dos contos e novelas do volume. A raiz poética se instala pela recorrência dessa idéia, que vai sendo vista de ângulos diferentes.

Ao todo são sete contos e duas novelas. Entre os contos, há os inéditos "Cometa Austin", "Trade Lights", "Memorial de Álvaro Gardel" e "O Último Tango em Jacobina" (publicado em alemão e inglês). Entre as novelas, "Exercícios para o Pecado", narrativa do final dos anos 80 perdida com a morte do editor Ênio da Silveira.

"Um bom conto se escreve em quatro meses", diz a meticulosa escritora. Mas tanta técnica não condiz com seus arroubos poéticos confessados.

"Preciso ficar tomada. O "Memorial de Álvaro Gardel" escrevi durante a agonia de meu pai, antes de ele morrer. Fechei o caderno escrito a mão e não consegui lê-lo durante dois anos. Quando fui olhar, o conto já estava pronto. Foi só dar a forma final."

O mesmo aconteceu com "Relatório Final", que está em "Diana Caçadora" (86): "Escrevi em seis horas, nunca mudei uma vírgula. Escrevo sob emoção intensa, para salvar minha vida, como se exorcizando um demônio, um íncubo, um súcubo. Isso num primeiro momento e para a maioria dos textos, não para todos".

Agora a escritora prepara uma coletânea das crônicas publicadas na "Folha da Tarde" entre 1985 e 1987 e vai burilando uma novela, "Sagrados Laços Frouxos". "Mas os trabalhos não estão maduros e não tenho pressa", completa.



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