domingo, 2 de outubro de 2011

Os contos de belazarte, de Mário de Andrade



A gente lê assim, de uma sentada. Difícil pensar em alguém mais literatura que Mário. A capa é tosca, meio improvisada, remetendo aqui e ali a algumas narrativas. Sete contos: 1. O besouro e a Rosa; 2. Jaburu malandro; 3. Caim, Caim, e o resto; 4. Menina de olho no fundo; 5. Túmulo, túmulo, túmulo; 6. Piá não sofre? Sofre; e 6. Nízia Figueira, sua criada. Escritos entre 1923 e 1926, obsessivamene retrabalhados por Mário. Orelha de João Etienne Filho. Contracapa com comentário de Antonio Candido, que compara sua atuação e grandeza à de Machado de Assis. Obra dedicada a Antônio de Alcântara Machado. Contos à maneira desse autor: impregnadas de oralidade, simulam um jeito de narrar popular que soma à técnicas de montagem da modernidade, mas sempre sobre personagens pobres, suburbanos. Negros, mulatos, italianos, nordestinos e toda espécie de gente brasileira sofrendo de solidão e dores de amores numa São Paulo que começa a modernizar-se. Pobreza e imaturidade gerando crimes passionais, abandonos, prisão, tortura de crianças. Mães sofridas às pencas, ênfase em mulheres desgraçadas, mal-amadas, desiludidas ou desprezadas. Um português singular, próximo a oralidade, com também neologismos, estrangeirismos; e sintaxe criativa. Humor e tragédia levando ao tragicômico em enredos que beiram o folhetinesco. O melodrama que não se realiza devido aos finais abruptos, tristes, realistas. Uma moça que descobre o sexo através de um besouro e se casa com um crápula para não ficar só e cessar o desejo. João, ex de Rosa, deixa-se consolar pela italianinha Carmela que se apaixona pelo homem-cobra do circo, desprezada, cai em desgraça e acaba "mulher perdida". Dois irmãos, Aldo e Tino, disputam uma mesma moça, até o assassinato do mais novo gerando uma onda de desgraças que envolve a pobre moça (já casada, mãe de dois filhos), cujo marido acaba na prisão. A pequena Dolores que se apaixona loucamente pelo professor de piano, até inventar uma mentira que o põe em desgraça. Um pequeno-burguês apadrinha um rapaz negro, tolo, preguiçoso, humilde, "coordialmente" o senhor intelectual deixa-se explorar anos a fio por "amor": narrativa de destino cruel e profundas insinuações homoeróticas, alem de relações de apadrinhamento, mando e obediência que marcam a sociedade brasileira; possivelmente, o melhor conto do conjunto. Uma criança abandonada à sorte num quintal, a comer terra, filha de um pai assassino e de mãe infiel, fútil, cruel e promíscua; conto de crueldade. O destino infeliz da pobre Nízia e sua criada, solteirona cada vez mais desencantada da vidinha triste numa Lapa de maledicência e esquecimento. Em todos, a questão de ser brasileiro em pauta, na cor, nos costumes, na formação e na desgraça. A consciência do subdesenvolvimento costurando tudo, mas ao mesmo tempo, pontuando peculiaridades, pequenas grandezas em meio de uma realidade desigual e emoções represadas.  Interessante perceber como em diversos casos, personagens saltam de uma narrativa a outra. Pequena grande obra de Mário, sempre talentoso, até neste gênero curto. [Eduardo Araújo Teixeira]




"A ingenuidade de Aldo e Tino, de Caim, Caim e o resto, é a do ciúme cego e da violência; a de Dolores, de Menina de olho no fundo, é a da inconseqüência e volubilidade; a de Ellis, de Túmulo, túmulo, túmulo, a do servilismo canino; a de Teresinha, a da insensibilidade devida ao sofrimento; a de Paulino, a da infância pisada.  Em todos eles, está ausente qualquer tipo de ponderação ou consciência, parecendo ser este o critério de representação."(Irenísia Torres de Oliveira)

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