sexta-feira, 27 de julho de 2018

Machado resenhado na THE NEW YOURKER

Bruxo do Cosme Velho escrevia literatura de apelo universal em vez de descrever a terra exótica imaginada pelos estrangeiros

Machado de Assis é um dos maiores escritores da língua portuguesa, e reconhecido por muitos críticos estrangeiros como um dos grandes nomes da literatura mundial. Por que então ele não é tão famoso mundialmente quanto outros autores, como Kafka ou García Marquez?

A nonagenária revista americana The New Yorker oferece uma explicação. Segundo o crítico Benjamin Moser, Machado de Assis não atraiu leitores estrangeiros justamente porque oferecia uma literatura de apelo universal e concentrada na vida de elites do Rio de Janeiro, em vez das criaturas folclóricas ou paisagens exóticas associadas ao nosso país.

Não existia imprensa no Brasil até 1808, quando chegou a família real portuguesa. “Um país inteiro não podia pensar por si próprio”, escreve Moser. Como em vários outros países das Américas, muitos escritores nascidos logo após a Independência buscaram motivos indígenas para formar uma consciência nacional – como foi o caso de Gonçalves Dias e José de Alencar. Ainda nessa época, muitos estrangeiros pensavam no Brasil como um paraíso tropical intocado, cheio de nobres selvagens.

Esse não era o caso da obra de Machado de Assis, com sua crítica social implícita, sua comédia humana universal e suas alusões à literatura europeia, que consumia vorazmente.  Para Moser, Machado de Assis era “irônico demais, pernicioso demais”. O autor carioca conseguia dizer as coisas mais ultrajantes “com imperturbável elegância e compostura” em histórias sobre a elite do Rio de Janeiro. Seus livros ajudam a enxergar que “o Brasil sempre foi, para o bem e para o mal, plenamente parte do Ocidente”.

terça-feira, 24 de julho de 2018

Lula Livre/Lula Livro, antologia de Marcelino Freire e Ademir Assunção


A antologia Lula Livre – Lula Livro será lançada neste sábado (28), durante o Festival Literário em Paraty, no Rio de Janeiro. Organizada pelos escritores Ademir Assunção e Marcelino Freire, a obra conta com produções de diversos autores, como Xico Sá, Frei Betto, Alice Ruiz, Augusto de Campos, Raduan Nassar, Chico Buarque, Aldir Blanc, Chacal, Caco Galhardo, Marcia Dense, Noemi Jaffe, Gero Camilo, Raimundo Carrero, Eric Nepomuceno, Chico César, Laerte, entre outros.

Ao todo são 86 escritores e cartunistas de todo o país que colaboraram com o livro-manifesto. Cartuns, poemas, contos e crônicas compõem a produção, que se integra à luta popular pela liberdade do ex-presidente.

Segundo os organizadores Ademir Assunção e Marcelino Freire a publicação manifesta o inconformismo dos autores, “que consideram a prisão de Lula uma aberração jurídica-política-midiática, com o objetivo maior de tirá-lo das eleições presidenciais deste ano, no tapetão, na cara-dura”.

“Fazia muito tempo que os escritores não tomavam um posicionamento conjunto tão vigoroso. Os descalabros que estão acontecendo no país desde o golpe de 2016 é que criaram a necessidade dessa manifestação político-literária”, afirmaram Ademir e Marcelino.

O livro-manifesto contará também com um site que incluirá todas as publicações inseridas na antologia, além de ter o PDF da obra divulgado.

Estão sendo planejadas, junto com os movimentos sociais, uma série de ações para divulgar e repercutir o livro em todo o Brasil e no exterior.


"Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza."

(Camões)

Joseph K., o conhecidíssimo personagem de Franz Kafka, se vê enredado em um processo judicial cujas origens desconhece e cujo desenrolar vai se tornando cada vez mais obscuro, sórdido e absurdo. 

O processo que assistimos no Brasil contemporâneo, contra uma figura pública central da história política dos últimos 40 anos, guarda semelhanças e dessemelhanças com o enredo kafkiano: se o seu desenrolar expõe uma lógica absurda, suas origens e fins são muito delineáveis.

Travestido com togas cheias de furos e remendos, simulação grosseira dos ritos legais que deveriam nortear a Justiça (com J maiúsculo), ele obedece a princípios e a um calendário com objetivo calculado: eliminar da disputa presidencial de 2018 o candidato com mais chances de vitória.

Orquestrado sob o pretexto de combate à corrupção – combate sempre bem-vindo e necessário – sua utilização camufla, porém, objetivos maiores: barrar as mudanças significativas que estavam em curso no país – muitas delas resultantes de demandas seculares –, principalmente a mais significativa, mas não a única: a retirada de 36 milhões de brasileiros do cinturão de miséria, através de políticas, programas e investimentos sociais reconhecidos e valorizados internacionalmente.

Como já visto em outros momentos da história recente, sob os mesmos pretextos e com métodos semelhantes, o que se concretiza é um golpe contra os interesses da maioria da população, para manter os privilégios de uma minoria.

Basta verificar que, logo após a consolidação da primeira etapa do golpe, uma das medidas aprovadas pelo Congresso Nacional foi a reforma trabalhista, que retira direitos históricos dos trabalhadores e agudiza ainda mais a crônica desigualdade socioeconômica brasileira.

É nesse contexto que surge este livro-manifesto. Mais do que um documento literário, o que se pretende é um documento claramente político, com as armas que os autores utilizam em seu fazer criativo: poemas, contos, crônicas, ensaios e cartuns. 

Os 90 poetas, prosadores e cartunistas aqui reunidos – de todas as regiões do país – atenderam ao chamado, na urgência dos fatos em curso no Brasil, para manifestar seu inconformismo com a prisão política do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. 

Em um prazo curto, de poucas semanas, autores “que consideram a prisão de Lula uma aberração jurídica-política-midiática, com o objetivo maior de tirá-lo das eleições presidenciais deste ano, no tapetão, na cara-dura”, conforme consignado no texto-convite enviado a cada um deles, fizeram questão de levantar a voz e enviar suas colaborações inéditas em livro.

O título é uma clara tomada de posição de todos os autores pela liberdade de Lula, mas a temática dos poemas, contos, crônicas e cartuns vai além: em rápidas pinceladas, determinadas pela urgência da iniciativa, procura manifestar o descontentamento com as mazelas de um país massacrado pela histórica e brutal desigualdade socioeconômica, e pelo retrocesso social, político, cultural e mental representado pelo golpe de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff, eleita por 54.501.118 brasileiros, foi destituída através de uma manobra orquestrada por setores políticos, jurídicos e midiáticos, a pretexto de prosaicas e já esquecidas “pedaladas fiscais”.

O ódio abertamente fomentado na população por grande parte dos meios de comunicação de massa, o cinismo de acusações generalizadas, muitas vezes disparadas por notórios personagens aviltantes, e o escárnio com as regras do jogo democrático, manipuladas ao bel prazer de interesses obscuros, repetiram uma liturgia já vista em outros momentos históricos do Brasil, posta em prática sempre que se procura uma ordenação mais justa na vida social e econômica do país. 

O propósito deste livro, portanto, é o de unir as vozes destes autores aos movimentos nacionais – e até mesmo internacionais – contra a farsa da prisão do ex-Presidente Lula, e contra a continuidade do golpe anti-democrático representado por sua exclusão do processo eleitoral de 2018.

Pelo fim da prisão política de Luiz Inácio Lula da Silva; pelo direito dos eleitores votarem – ou não – em sua candidatura para a Presidência da República; pelo retorno do Brasil à normalidade democrática, é que se deve a existência deste Lula Livro.

Ademir Assunção / Marcelino Freire

LISTA COMPLETA DOS AUTORES

ADEMIR ASSUNÇÃO * ADEMIR DEMARCHI * ADRIANE GARCIA * AFONSO HENRIQUES NETO * ALBERTO LINS CALDAS * ALDIR BLANC * ALICE RUIZ * ANDRÉA DEL FUEGO * ANTONIO THADEU WOJCIECHOWSKI * ARTUR GOMES * AUGUSTO DE CAMPOS * AUGUSTO GUIMARAENS CAVALCANTI * BEATRIZ AZEVEDO * BERNARDO VILHENA * BINHO * CACO GALHARDO * CARLOS MOREIRA * CARLOS RENNÓ * CELSO BORGES * CELSO DE ALENCAR * CHACAL * CHICO BUARQUE * CHICO CÉSAR * CLAUDIO DANIEL * DIANA JUNKES * DOUGLAS DIEGUES * EDMILSON DE ALMEIDA PEREIRA * EDVALDO SANTANA * ELTÂNIA ANDRÉ * ERIC NEPOMUCENO * EVANDRO AFFONSO FERREIRA * FABIO GIORGIO * FABRÍCIO MARQUES * FERNANDO ABREU * FERRÉZ * FLÁVIA HELENA * FREI BETTO * GERO CAMILO * GIL JORGE * GLAUCO MATTOSO * JESSÉ ANDARILHO * JOCA REINERS TERRON * JORGE IALANJI FILHOLINI * JOSELY VIANNA BAPTISTA * JOTABÊ MEDEIROS * JUVENAL PEREIRA * KAREN DEBÉRTOLIS * LAERTE * LAU SIQUEIRA * LINALDO GUEDES * LÍRIA PORTO * LUCAS AFONSO * LUCIANA HIDALGO * LUIZ ROBERTO GUEDES * MANOEL HERZOG * MARCELINO FREIRE * MÁRCIA BARBIERI * MÁRCIA DENSER * MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA * NOEMI JAFFE * PATRÍCIA VALIM * PAULINHO ASSUNÇÃO * PAULO CÉSAR DE CARVALHO * PAULO DE TOLEDO * PAULO LINS * PAULO MOREIRA * PAULO STOCKER * PEDRO CARRANO * RADUAN NASSAR * RAIMUNDO CARRERO * RICARDO ALEIXO * RICARDO SILVESTRIN * ROBERTA ESTRELA D’ALVA * RODRIGO GARCIA LOPES * RONALDO CAGIANO * RUBENS JARDIM * SANDRO SARAIVA * SEBASTIÃO NUNES * SERAPHIM PIETROFORTE * SÉRGIO FANTINI * SÉRGIO VAZ * SIDNEY ROCHA * SUSANNA BUSATO * TARSO DE MELO * TEO ADORNO * VANDERLEY MENDONÇA * WALDO MOTTA * WELLINGTON SOARES * WILSON ALVES BEZERRA * XICO SÁ

Desenho da capa por Sandro Saraiva

O conto de Machado de Assis

Machado de Assis
Contos do Bruxo do Cosme Velho demonstram a profundidade da literatura do autor
       
Caio Sarack*, O Estado de S.Paulo

21 Julho 2018 | 16h00

Wilhelm Reich (1897-1957) foi um dos maiores pensadores alemães do século 20 e, na obra Psicologia de Massas do Fascismo (1933), ponderou que o dever da psicologia social era explicar “não por que motivo o esfomeado rouba ou o explorado faz greve, mas por que motivo a maioria dos esfomeados não rouba e a maioria dos explorados não faz greve”. Em meio à difusa coerção social, compreendem-se os motivos pelos quais trazemos ordem à desordem mesmo que isso nos custe a própria vida ou a de outro? Se as muitas páginas de psicologia e de ciências sociais parecem colidir e se contrapor, deixando-nos à deriva no mar revolto da sociabilidade e da relação com sujeitos estranhos a nós, a literatura parece funcionar como um machado que rompe a duríssima película que represa nosso rio. 

+Peça mescla contos homônimos de Machado de Assis e Guimarães Rosa.


Marc Ferrez
Mulher negra com criança branca fotografada na Bahia, em 1860. Foto: Marc Ferrez/Acervo IMS
+As polêmicas e interpretações opostas suscitadas pela obra de Machado de Assis

Podemos encontrar um sumo exemplar desse objeto cortante em Pai Contra Mãe e Outros Contos (Editora Hedra), de Machado de Assis, antologia organizada por Alexandre Rosa, Flávio Ricardo Vassoler e Ieda Lebensztayn, que também assinam o ensaio no prefácio da edição: Os Inimigos do Homem Serão as Pessoas de sua Própria Casa: Crítica e Apologia Sociais em Pai Contra Mãe.

“Como um obstetra que nos dá as boas-vindas a este mundo com um tapa que nos faz chorar – bem-vindos ao nosso vale de lágrimas –, o narrador machadiano de Pai Contra Mãe rasga o ventre de seu conto sentenciando que ‘a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel’”. Imaginar a figura negra e epilética de Machado em meio à violência escravista à brasileira ligando-a ao cinismo do narrador que erode a vida psíquica das personagens nos dá a dimensão da profundeza produzida pela literatura; sociedade e subjetividade, convicções morais e utilitarismo se mesclam às palavras, antes ascéticas de dicionário, em meio ao realismo de Machado de Assis.

Vejamos o caso de Pai Contra Mãe: Candinho está prestes a sacrificar a vida de seu filho, de quem até então Nossa Senhora não conseguiu garantir a subsistência, quando avista a escrava fugida Arminda, que o salvaria – mas não só de pragmatismo vive o homem, mas de toda convicção que cimentará as ações em seu coração. Candinho lega o aborto que cometeria à escrava. “A vida de meu filho e a de seu filho têm uma diferença que não consegue mais ser descrita só ao apontarmos o pronome possessivo, é a materialidade daquilo que é do outro diante daquilo que é – íntima e irrevogavelmente – meu.”

Ao enunciar esse abismo, o narrador expõe tanto o vínculo umbilical que todos temos com aquilo que é nosso quanto o modo como esse inofensivo pronome permite que separemos os mortos deles dos nossos vivos. Entendemos que Candinho está emparedado e quer salvar sua criança. Ele, no entanto, precisa envolver seu amor com uma forte película a fim de que o amor da escrava-mãe não o faça desistir diante da empatia que, como pai, teria para com o filho alheio: o amor só é possível se for devidamente hierarquizado, não há espaço para todos, porque o espaço é escasso; não há pão para todos, porque o pão é escasso, não há vida para todos, porque “nem todos vingam”. Machado de Assis inocula no utilitarismo o seu próprio veneno – e se o homem, ao buscar o maior prazer de que pode dispor, anula a própria convivência com o outro? 

Não podemos supor a simples idiotia dos filósofos utilitaristas, e aqui faço menção à palavra “idiotia” em seu sentido preciso: ao apostar na perseguição individual dos homens de seu bem-estar, não se anula ou aniquila seu caráter social, o Utilitarismo estabelece o indivíduo como o material primeiro e inequívoco da vida social, dizendo que esta mesma vida será tanto mais justa quanto mais o fundamento individual for protegido, e em nenhum momento suprime a necessidade das relações sociais. Mas vemos que, quando aceitas, as prescrições assumem as mais interessantes e materiais conformações (e nos sorri o narrador do conto) no mundo social.

A ironia do autor e os parágrafos que formam um corpo de texto aparentemente neutro e distanciado escancaram a violência como resultado de uma interação entre o cálculo da vida social e a verdade subjetiva do pai Candinho. “Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras”, o sentimento do pai não se corrompe, muito pelo contrário: a certeza do abismo que há entre o meu filho e o seu filho pode garantir a tranquilidade de quem pertence ao grupo dos vivos e daqueles que não foram feitos para serem proscritos, e, ao mesmo tempo e sobre o mesmo aspecto, Candinho “abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto. – Nem todas as crianças vingam – bateu-lhe o coração”. Os sulcos que a literatura deixa na capa de gelo que cobre o rio da vida socialmente administrada liberam os pulsos que antes éramos incapazes de enxergar.

*Caio Sarack é mestre em filosofia pela FFLCH/USP e professor do Instituto Sidarta e do Colégio Nossa Senhora do Morumbi 

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Pá, Pá, Pá, Pá, Pá, Pá


Pá, Pá, Pá, Pá, Pá, Pá

Toda vez que eu leio um livro, eu me lanço. É. Eu caio. Pois é. Eu salto alto. Não quero nem saber. Escangalho o pé Confortável tem de ser a cama, não a leitura. Eu sempre penso isso da Literatura. Eu aprendi isso na marra. Gosto de livro que me dá tapa na cara. Cada página, um tapa. Pá, pá, pá, pá, pá palavra. E essa a minha guerra. Uma pauleira os parágrafos. E é assim que eu escrevo também, que eu tento escrever. Descrever o mundo. E não venham me dizer que eu escrevo sobre violência. Escrevo “sob” violência. Essa é a minha dança. E contradança também. Meu livro de contos BaléRalé foi meio isso. Esta vingança que eu falei. O livro foi publicado pela Ateliê Editorial em 2003. E agora chega esta peça de mesmo nome. Desde o ano passado que entrou em temporada essa encenação do premiado grupo carioca Teatro de Extremos. É de tremer. Eu próprio, sabendo o que escrevi, tremi. Porque cada ator ali sente o que está dizendo. A gente não escreve só com as mãos. É com o corpo inteiro. E a encenação é esse espelho de mim. Um espetáculo de corpo inteiro, bem brasileiro. A gente, todo mundo enforcado na corda-bamba. No limite entre a vida e morte. A gente é forte. Depois de um livro, a gente se sacode. Depois de uma peça assim a gente sobrevive. A arte faz isso. Não é acordar do sono, a saída é despertar. O que procuro, quando vou aos livros, é este movimento. No teatro também, cada um com seu formigamento. Meu muito obrigado, queridos Parceiros-Extremos.

Marcelino Freire (no encarte da peça BaléRalé)

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Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea

Estudando os contistas pós-utopicos ou as novas formas
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