quinta-feira, 7 de junho de 2012

Meu tio Roseno, a cavalo


[Meu tio Roseno, a cavalo, de Wilson Bueno. A beleza dessa prosa tão sul, e tão Brasil. Sigo na garupa desse tio, que na garupa do cavalo, vaga por paisagens gaúchas e vive aventura com índios, mortos, circenses, sempre com o pensamento na filha de singular nome dado por uma cigana - Andradazil - que nascerá, e conforme profecia e desejo seu será uma guerreira messiânica. Tio Roseno, que deveria ser "Rosendo", já que muda de nome no livro cada vez que é citado. Os volteios poéticos da prosa de Wilson Bueno flui e soa roseano, e talvez seja a chave para o nome do tio à cavalo, já que "Guimarães" significa justamente cavalo de combate. Andradazil, sua donzela-guerreira, sua Diadorim?

Wilson Bueno, no entanto, não se entrega aos neologismos, seus caminhos são os termos populares, orais, mastigados no sertão de baixo, nos pampas, no entre fronteiras: Paraguay e Argentina. É um livro curto (84 páginas) e eu o leio lento, fruindo a paisagem, as imagens, o pensamento, no ritmo às vezes trote outras de galope, sonoras patas cantantes de Wilson Bueno, eu viajo na garupa do tio Roseno.]

Fragmento

Coaxante, mirim se esfalfa o grulhar da saparia. até o Zaino afina as ventas, arisco, investigando o ar com o focinho, inquietos os cascos esperimentando o andado do chão. Há por perto a lagoa da Gruxuvira, mutante, provisória sempre, alimentada em exclusivo das águas das chuvas, a cada hora e a cada vez. Roseante, o cavaleiro, parece sente do cavalo o sangue fluir. Pelo lado de dentro das coxas, que encostam à barrigueira, chega a lhe adivinhar o suor ainda não vertido, e também seus humores, ao todo do corpo enganchado nele feito a ostra e a entranha. (p. 23).

Recado do nome, de Ana Maria Machado


João Guimarães Rosa, aliás, utiliza diversos anagramas por sua obra afora. Por exemplo: Mauriss Aragão, Sá Araújo Negrim, Romaguari Sães (v. Ave, palavra). E , em Tutameia, esconde-se pelo meio do índice: as iniciais dos títulos dos quatro prefácios formam seu prenome em alemão (Hans), havendo apenas dois contos que fogem à ordem alfabética que regula os títulos, e se colocam em seguida ao da letra J ("João Porém, o Criador de Perus"); "Grande Gedeão" e "Reminisção", justamente suas iniciais, JGR. Assinalando o ponto de ruptura da ordem alfabética, fica um aviso no índice: Hiato: intruge-se JGR lá nas campinas. Ainda a respeito de exploração de seu próprio nome, vale citar trecho de uma carta sua a Curt Meyer-Clason: "O que digo é sincero, nada demagógico, poderia jurá-lo pelo corcel do jagunço Riobaldo, os quais, indissolúveis, vêm a ser um Weihs Mahr ('cavaleiro combatente' ou 'cavalo de combate') - que, conforme vejo num léxico etimológico, e passando por Wimara, Guimara, foi o primitivo nome de Guimarães".


Para quem um dia se aventurar a ler Guimarães Rosa, minha dica é passar antes por esse livro que é um dos estudos mais extraordinários e geniais que podem existir. Digo isso, porque ele explodiu minha cabeça, sobre a grandeza de Rosa, mas também sobre a capacidade de sentidos dessa arte que tanto admiro e que me possibilitou meu ganha pão: a Literatura.


Powered By Blogger

Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea

Estudando os contistas pós-utopicos ou as novas formas
da Literatura Brasileira.