[01]
UMA APRESENTAÇÃO. Gregos
propagavam que aos quarenta trocamos de humores e sombra. Estou prestes a
saber. Por enquanto atendo pelo nome de Eduardo Araújo. As palavras são do que
vivo: trabalho de ler, escrever, ensinar. Contos, crítica, roteiros, alguma
poesia, tudo escasso e ainda ilegítimo. Por isso publico em rede, em nuvens.
Ensinar para mim é apresentação e esclarecimento das grandes e intricadas histórias
(entrelinhas) dos autores (seus mistérios). Gosto de ordenar palavras num bom
texto; e, quando posso, entortar a frase e o pensamento. Doutorado pela USP, professor
universitário, de cursinho, realizador esporádico de cinema. Por causa disto,
de gostar também de um pouco de tudo, escrevo aqui resenhas; sugestões de filmes,
livros, peças, exposições, fotografia, artes de um modo geral. Tudo breve, as
sempre 199 palavras e a vantagem de ser coluna curta, para não entediar possíveis
leitores. No plano pessoal, pouco a dizer: não tive filhos, perdi amigos, formei
pessoas, fotografo demais. De meu: muitos livros, filmes, um cão compartilhado
e um blog chamado Revide. Ando gostando de viagens. Plagiário literário,
reinvento-me ao escrever. Meio Brás Cubas, sinto-me estagnado, um tanto gordo, casmurro.
Constante nos atrasos e adiamentos. Assim, fica esse texto de apresentação de AS.199.PALAVRAS.
[02]
BESTIÁRIO inaugura a prosa de Julio Cortázar. Traz sete contos. Em Casa tomada, estranhos invasores
apavoram um casal de irmãos. Resignados, vão aprisionando-se cômodo a cômodo da
casa, até a expulsão final por um inimigo nunca visto: culpa? Incesto? Revolução?
Noutra história, o protagonista vomita regularmente coelhinhos que esconde e cria
em pânico. Em “Ônibus”, cada passageiro carrega uma flor e ameaça com olhares satânicos
a indefesa Clara. Mancuspias enlouquecem lentamente seus tratadores pela
exigência ritualística de cuidados. Em Circe,
um rapaz relata seu namoro com a sedutora e misteriosa Délia, moça que levou à
morte todos seus pretendentes. No conto título, uma garota passa férias numa
casa onde todos precisam se adaptar à presença ameaçadora de um tigre feroz. Argentino
(acidentalmente belga), Cortázar se autoexilou em Paris. Na infância de menino
triste, solitário, doente, tornou-se um gigante, voz cavernosa do ciclope de
Ulisses. Dentes ruins, amante do boxe e do jazz, escrita para ele era luta. Nele,
insólito e fantástico se constroem por narradores
não-confiáveis (esquizofrênicos?). O absurdo é descrito como kafkianamente natural.
Doença, melancolia, desejo e violência explodem nas tramas, de forma poética e
enigmática. Escorado no mistério, a normalidade do mundo se faz de ponta
cabeça.